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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Um livro é uma casa onde cabem muitas vozes - "A (im)perfeição dos dias"

Um livro é uma casa onde cabem muitas vozes. E como há casas grandes, médias e pequenas assim também acontece com os livros. Este é um livro modesto e quer apenas ser o eco de múltiplas vozes que o rodeiam e o tornaram possível. Que o fizeram respirar. Que o fizeram pulsar. Que o fazem permanecer vivo.
Que vozes são essas?
1. a voz da poesia: atraente, sedutora, simbólica, maviosa, denunciadora, laudatória, musical. Os poemas acontecem, como dizia Fernando Pessoa e Sophia Andresen. Surgem, insinuam-se, crescem e amadurecem nas folhas límpidas dos livros. A poesia é a voz da vida.
2. a voz das raízes: somos o que somos porque alguém nos ensinou a ser, a estar, a enfrentar a vida. Somos o que somos porque alguém nos deu a vida e a fala. No sangue, no seio alimentador, no puxão de orelhas na hora certa ficou a marca de quem nos precedeu, de quem nos alimentou a alma e nos ofertou o exemplo a seguir. Quem diz raízes, diz família.
3. a voz dos poetas: que lemos, que nos deliciam ou nos arranham o espírito para nos fazer despertar. A clareza de Sophia, a genialidade de Pessoa, o rigor de Eugénio, o cheiro a urze e a terra molhada de Torga. E quantas mais vozes que continuamente nos arrebatam, nos empolgam, nos levam para o mundo da fantasia poética e literária.
4. a voz da cidade: no frio, na neve, no prosaísmo dos pardais a saltitar, no ruído das ruas a empalidecer com os últimos raios de um sol poente. Nas leituras de Augusto Gil e de Nuno de Montemor, de Vergílio Ferreira e Manuel António Pina, nas memórias de Eduardo Lourenço e de Bonito Perfeito, de Manuel Poppe e de Virgílio Afonso.
5. a voz das pessoas: dos colegas que nos animam, dos alunos que puxam por nós, dos amigos que nos incentivam a registar para o futuro as palavras que mastigamos.
6. a voz da lua: seja ela quem for ou o que for. Ignota e persistente inspiração umas vezes fértil e fluente, outras infértil e perra. Umas vezes em lua cheia de plenitude, outras lua nova desaparecida.
7. a voz da música: as harmonias fecundas que enredam as palavras no doce sabor das ideias.

E mais vozes haveria a enumerar, mas fundamentalmente são estas que percorrem as páginas (cheias) deste livro. Que sejam alívio e conforto nas alegrias ou nas tristezas da vida. Com alegrias e tristezas nasceram porque elas também são a vida. Como a poesia é a vida.

J M (05.12.2015)