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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ninguém Meu Amor

sebastião alba.jpg

 

Ninguém meu amor 
ninguém como nós conhece o sol 
Podem utilizá-lo nos espelhos 
apagar com ele 
os barcos de papel dos nossos lagos 
podem obrigá-lo a parar 
à entrada das casas mais baixas 
podem ainda fazer 
com que a noite gravite 
hoje do mesmo lado 
Mas ninguém meu amor 
ninguém como nós conhece o sol 
Até que o sol degole 
o horizonte em que um a um 
nos deitam 
vendando-nos os olhos 

Sebastião Alba, in 'A Noite Dividida' 

os poetas

Com as polidas cintilações

das ondas eles enredam o mar

e aspam de brancura o voo das gaivotas

 

Sua íntima atitude

é a das estátuas por fora

Como elas amam sem noções que lhe doam

 

O céu foi o seu fundo das pupilas

orto da Estrela da Manhã

Mas volvidos são das paisagens rumorosas

onde nem o corpo do vento se suprime.

 

Sebastião Alba

ICARO - Sebastião Alba


para o Zé Craveirinha


Da Mafalala estorva-nos
a memória dos gregos
É um anjo negro segredado
e assim goza
de asas sussurrantes
Desce por entre
intervalos do vento
e findo o voo refunde
o modelo de cera
Como qualquer pássaro faz ninho
ele no vestido das mulheres
Sem céu fixo
exala a plumagem
da comum nudez interrompida.

Sóbrio e Puro - Sebastião Alba

 

Dei-vos cartas e rosas,
nunca me deram cartas e rosas;
apresentei-vos Beethoven,
nunca me apresentaram a ninguém;
dei-vos chocolates,
nunca me deram uma ameixa;
ao papá, dei-lhe versos,
deu-me um soco da última vez que o vi.
Ai! Vou procurar outra família, chega!
Só a poesia demora. Mas há um pacto entre nós: "sempre que estejas sóbrio e puro", disse-me ela aos 25 anos, "serei tua".
E eu não estou!
Tenho pouco dinheiro, poucos amigos - morrem com uma infidelidade quase descarada, e deixam-me cada vez mais só. E não resisto a saber como estão os outros, a ir vê-los, antes que me deixem, também.

 

 

(Escritor português, pseudónimo de Dinis Albano Carneiro Gonçalves, nasceu a 11 de Março de 1940, em Braga. Viveu em Moçambique. A 14 de Outubro de 2000, Sebastião Alba morreu atropelado em Braga.)