"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto A via-láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas!"
Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto. Outono... Rodopiando, as folhas amarelas Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...
Por que, belo navio, ao clarão das estrelas, Visitaste este mar inabitado e morto, Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas, Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?
A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos... Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!
E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste, E contemplo o lugar por onde te sumiste, Banhado no clarão nascente do arrebol...
Que foi dele depois que lhe quebraram as asas? Que foi dele depois que lhe contaram que no seu ombro havia carne? Parou tristonho de voar. E olhou estupefato para os pássaros. Só viu as próprias lágrimas e acreditou que o espaço se houvera transformado em aquário.
E pôs-se a nadar rumo a pátria. Pensava: "Que largo mar seco de praias!" E em volta de si mesmo esvoaçava os braços num esboço de viagem. Então mirou-se no último olhar de poça dagua e descobriu seu rosto pálido lavado com algumas gotas de suor e orvalho. Vestiu tremendo o corpo claro sentiu pudor de sua nudez de asas. Procurou por todo o espaço perscrutou a enxurrada. Pensou: Ah, elas sim reconquistaram as aves".
Tu tens um medo: Acabar. Não vês que acabas todo o dia. Que morres no amor. Na tristeza. Na dúvida. No desejo. Que te renovas todo o dia. No amor. Na tristeza. Na dúvida. No desejo. Que és sempre outro. Que és sempre o mesmo. Que morrerás por idades imensas. Até não teres medo de morrer.
Ai quem me dera, terminasse a espera E retornasse o canto simples e sem fim... E ouvindo o canto se chorasse tanto Que do mundo o pranto se estancasse enfim
Ai quem me dera percorrer estrelas Ter nascido anjo e ver brotar a flor Ai quem me dera uma manhã feliz Ai quem me dera uma estação de dor
Ah! Se as pessoas se tornassem boas E cantassem loas e tivessem paz E pelas ruas se abraçassem nuas E duas a duas fossem ser casais
Ai quem me dera ao som de madrigais Ver todo mundo para sempre afim E a liberdade nunca ser demais E não haver mais solidão ruim
Ai quem me dera ouvir o nunca-mais Dizer que a vida vai ser sempre assim E finda a espera ouvir na primavera Alguem chamar por mim...
Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
Solto para onde estás, e fico de ti perto!
Como, depois do sonho, é triste a realidade!
Como tudo, sem ti, fica depois deserto!
Sonho... Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.
Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma:
De cada estrela de ouro um anjo se debruça,
E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.
Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.
Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.
E, como sobre um leito um alvo cortinado,
Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.
Porém, subitamente, um relâmpago corta
Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta
E, sorrindo, serena, apareces à porta,
Como numa moldura a imagem de uma Santa...
Olavo Bilac
[Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac nasceu em 1865, no Rio de Janeiro, e faleceu no mesmo local em 1918.]