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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

8 de Março

No século XXI, isto não devia acontecer!

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    A mulher! Não me canso de a exaltar. O que o homem é a seu lado! Um Adão inocente, um Édipo perplexo, um Otelo cego. Flor emblemática da Criação, perfumada de futilidade, só ela sabe pecar sem remorsos, procriar sem vanglória, entender sem lógica. E sofrer paradigmaticamente, já que foi sempre a Antígona heróica da grande tragédia da vida.

       Dona do mundo e depositária do futuro, nunca o quis parecer, sequer. Gentilmente, deixou essa presunção ao pobre companheiro que, depois de tantos milénios de convívio, continua a revolucionar os tempos sem perceber que é ela o cordão umbilical da História.

 

(Coimbra, 12 de Outubro de 1978) 

Diário XIII 

 

Poema Melancólico a não sei que Mulher

Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.

Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...

Miguel Torga, Diário

Mater / Mãe

 

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Dizer terra, fecundação, carinho, ...

Dizer ovo, madre, coração, ...

Dizer sémen, cuidado, marinho, ...

Dizer chuva, amor, paixão, ...

 

Dizer força, prazer, embrião, ...

Dizer húmus, maia, afecto, ...

Dizer coragem, arte, criação, ...

Dizer seio, úbere, tecto, ...

 

Dizer terra, femina, mulher

Dizer tudo e o princípio também

Dizer aquilo a que mais se quer

É dizer, simplesmente, MÃE!

 

(JM)

 

[Seriam 102 - sempre!]

8 de Março

 

Tens agora outro rosto, outra beleza:
Um rosto que é preciso imaginar,
E uma beleza mais furtiva ainda…
Assim te modelaram caprichosas,
Mãos irreais que tornam irreal
O barro que nos foge da retina.
Barro que em ti passou de luz carnal
A bruma feminina…

Mas nesse novo encanto
Te conjuro
Que permaneças.
Distante e preservada na distância.
Olímpica recusa, disfarçada
De terrena promessa
Feita aos olhos tentados e descrentes.
Nenhum mito regressa….
Todas as deusas são mulheres ausentes.

 

Miguel Torga

Quem sabe?!... - Florbela Espanca

Eu sigo-te e tu foges. É este o meu destino:
Beber o fel amargo em luminosa taça,
Chorar amargamente um beijo teu, divino,
E rir olhando o vulto altivo da desgraça!

 

Tu foges-me, e eu sigo o teu olhar bendito;
Por mais que fujas sempre, um sonho há de alcançar-te
Se um sonho pode andar por todo o infinito,
De que serve fugir se um sonho há de encontrar-te?!

 

Demais, nem eu talvez, perceba se o amor
É este perseguir de raiva, de furor,
Com que eu te sigo assim como os rafeiros leais.

 

Ou se é então a fuga eterna, misteriosa,
Com que me foges sempre, ó noite tenebrosa!
Por me fugires, sim, talvez me queiras mais!

 

"O livro d'Ele"

 

[8 de Dezembro de 1930]