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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Primeiro Amor

Poeta João de Deus - Caricatura de Rafael Bordalo

 

Ó Mãe... de minha mãe! 
Explica-me o segredo 
Que eu mesmo a Deus sem medo 
Não ia confessar: 
Aquele seu olhar 
Persegue-me, e receio, 
Pressinto no meu seio 
Ergue-se-me outro altar! 

Eu em o vendo aspiro 
Um ar mais puro, e tremo... 
Não sei que abismo temo 
Ou que inefável bem... 
Oh! e como eu suspiro 
Em êxtase o seu nome!... 
Que enigma me consome, 
Ó Mãe de minha mãe! 

João de Deus, in 'Campo de Flores' 

Miséria

arcadas.jpg

[Foto de Carlos Adaixo]

 

 

Era já noite cerrada,
Diz o filho: "Oh minha mãe,
Debaixo d'aquela arcada
Passava-se a noite bem!"

A cega, que todo o dia
Tinha levado a andar,
A tais palavras do guia
Sentiu-se reanimar.

Mas saltam dois cães de gado,
Que eram como dois leões:
Tinha-os à porta o morgado
Para o guardar dos ladrões.

Tornam os pobres à estrada,
E aonde haviam de ir dar?
Ao palácio da tapada
Onde el-rei ia caçar.

À ceguinha meia morta
Torna o filho: "Oh minha mãe,
Ali no vão de uma porta
Passava-se a noite bem!"

- Se os cães deixarem... (diz ela,
A triste n'um riso amargo),
Com efeito a sentinela:
- "Quem vem lá?... Passe de largo!"

Então ceguinha e filhinho,
Vendo a sua esperança vã,
Deitaram-se no caminho
Até romper a manhã!...


João de Deus