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"És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças..."
Miguel Torga, Sísifo.
Estes dias que vivemos arrasaram as mentes e danificaram certamente o raciocínio de algumas pessoas. Muitas mesmo. A célebre frase do início "vai ficar tudo bem", está a revelar-se uma mentira fabulosa, sim de fábula. Foi transformada num mito, pois o que hoje em dia verificamos, é que as pessoas em vez de melhorarem no seu humanismo tornaram-se muito mais radicais. Como é possível retirar livros clássicos consagrados pela fruição de milhões de leitores de listas com o argumento falacioso de que são racistas? Então vamos renegar "Os Lusíadas" porque são uma epopeia colonizadora? Ou banir a "Peregrinação" porque ofende os malaios, os indonésios e outros povos maltratados pelos portugueses no Oriente? Sejamos sensatos. Aqueles que se dizem antirracistas e derrubam estátuas por causa de representarem colonizadores ou esclavagistas não estão a cometer um crime de lesa-história? Essa estátuas lembram precisamente o mal que foi feito e podem levar-nos a evitar que volte a suceder. Os livros que representam a história literária de um povo são ficção e por isso são património da humanidade e devem servir-nos de lição para não repetirmos os erros de outras épocas. Não haverá racismo impregnado nas mentes que provocam estes actos? Por detrás das manifestações antirracismo quantas mentes racistas imperam? E os governantes não estarão a tolerar aquilo que pode vir a ser pernicioso para a sociedade? Se somos humanistas não devemos olhar a cor da pele, nem a cor dos olhos, nem a religião professada. Devemos pensar que do outro lado está um ser humano e é por isso que deve ser respeitado nas suas liberdades e nos seus direitos. Quando nos esquecemos disso - e parece que hoje nos esquecemos facilmente disso - nascem os fanatismos, as opressões, a limitação do pensamento. Se as pessoas lessem mais e pensassem por si em vez de se deixarem "lavar mentalmente" pelos programas televisivos de entretenimento reles que só veiculam não-valores e pensassem que as televisões e as redes sociais exploram e transmitem apenas aquilo que interessa ao(s) poder(es) instituído(s), o nosso mundo seria bem melhor. Daí os versos em epígrafe do poeta: "És homem, não te esqueças!"
Hoje regressei à Escola passados dois meses e uns dias. E neste regresso senti um misto de alegria e tristeza.
Alegria, porque revi, cara a cara, os meus alunos. A alegria do reencontro numa situação de pandemia não pode, contudo, ser plena. O estar na sala de aula, o ouvir e fazer ouvir. O partilhar conhecimentos, o prazer de aprender ainda com eles ou eles comigo.
Mas nada é igual. É uma alegria estranha que se entranha em nós. Não há, à nossa frente, o sorriso juvenil, descarado e apaixonado. Há uma série de rostos tapados por uma máscara que, minuto a minuto, nos relembra que vivemos tempos perigosos. Não há a alegria expansiva dos adolescentes. Há rostos (melhor, pedaços de rostos) que transmitem medo e inibem a partilha total.
Por isso, a tristeza. Esta não é a Escola que criámos durante anos; não é o ensino que nos deu tantas alegrias. Tudo vai ficar bem? Não, não podemos voltar a ficar bem. Haverá sempre algo que nos inibe. Onde o abraço espontâneo para exprimir a alegria do reencontro? Onde a possibilidade do beijo de parabéns à aluna que celebra o aniversário? Não, esta Escola não é aquela em que vivi 38 anos, que me deu tantas alegrias.
No entanto, em termos de organização, está tudo no bom caminho. Se houver casos, não será culpa da Direção que pôs a funcionar uma máquina bem oleada em que tudo encaixa. Nos percursos, na limpeza das salas, na segurança que acabamos por sentir ao regressarmos.
Hoje, porém, foi um dia estranho. Que prevaleça a alegria da esperança em dias melhores.
José Manuel Monteiro
20 de maio de 2020
[Texto publicado no jornal "A Guarda", de 20.12.2018]
As tuas mãos morenas
calosas do saibro da serra,
amansadas na solidão
da luta com inculta terra...
O teu rosto escurecido
de vigílias e de cargas,
sempre sereno e lúcido,
em horas doces e amargas...
O teu suor destilado
em seiva, húmus do corpo teu
é alimento para os filhos
que agradeces ao Céu.
E, no fim dos duros dias,
no secreto do teu lar,
mesmo exausto e sonolento
carinho ainda sabes dar.
Pela vida, pelo amor,
pelo carinho, pela ternura,
pelo tempo, pelo suor,
pelas letras, pela cultura,
por tudo o que de ti sai
tudo te agradeço, PAI!
J M
As casas estão semeadas aos lados das ruas caindo de repente sobre a lama que encharca o caminho. De pedras velhas, gastas pelos anos e pelo feroz vento norte, fazem cara feia a quem chega, mas sorriem a quem veem todos os dias. Ariscas para uns, amáveis para outros, retribuem o bem que receberam ao longo dos séculos, embora sejam também o espelho de quem as habita e da sua peculiar maneira de ser.
Quem chega do lado da cidade, bate de repente ao fundo da descida com o muro recuperado de uma habitação quase secular, guardiã da aldeia e dos seus medos escorregadios dos invernos rigorosos. Depois a rua desce e bifurca-se. Para baixo fica o chafariz velho que até secava no verão. E tinha um largo onde as brincadeiras de fim de tarde juntavam a garotada para as escondidas ou qualquer outra gaiatada que desanuviasse quer da escola quer dos trabalhos agrícolas pesados para aquelas costas débeis. E havia ainda o pereiro com frutos doces e breves atração das barrigas mais famintas nas manhãs quase frias de uns setembros pouco promissores. Lá para o fundo os lameiros esperavam com o gado impaciente que a brincadeira não se prolongasse muito para poderem recuperar alguma erva para o dia seguinte. E quando a demora era persistente lá vinha o berro estridente a lembrar as obrigações familiares que a pouca idade fazia esquecer.
A outra rua crescia para as bandas do comboio, apitando ao longe nas tardes em que o vento soprava dos cumes anatómicos do Jarmelo. E lá no fim a quinta. Onde se precisavam braços para os duros trabalhos agrícolas, remunerados com pouco dinheiro e algum alimento que não chegava para matar a fome às barrigas numerosas das famílias da aldeia. Respirava fartura e as vacas e as ovelhas abundavam pelos campos. Depois vinha a descida para os lados do comboio: primeiro suave e a seguir mais acentuada terminando no ribeiro exíguo do fundo do vale.
J M, Fevereiro 2018
[Ensaio para uma elegia maior]
Se eu já não estiver amanhã
O mundo continuará a girar,
Os dias seguirão iguais
E talvez alguém se alegre!
Mas isso que importa?
A manhã baterá à tua porta;
Os rios correrão para o mar;
Haverá alegrias ou tristezas
Súplicas, lágrimas e rezas;
As aves levantar-se-ão a cantar;
O tempo beberá das mesmas fontes
E o fogo devorará ainda os montes, …
Se eu já não estiver cá amanhã,
Simplesmente não farei falta:
terei cumprido o meu destino!
J M 15.11.2017
Meu país vestido de negro e vermelho,
Quem te destrói assim indecentemente?
Quem devora tua riqueza natural?
Quem arde teu Interior tão velho?
Quem diz que ajuda mas só mente?
Quem lucra com a morte, afinal?
Quem queima os nossos corpos?
Quem devora a simples alma?
Quem é o coveiro da esperança?
Ficamos amargos, feios e tortos
Foge-nos aos poucos a calma
E roubam-nos a paterna herança!
Meu país de luto e dor,
Viraste, acaso, país de rancor?
J M - 16.10.2017
Estás connosco cada dia:
no sorriso peculiar
nas flores que tratavas
com carinho
(e que ainda lá estão)
na expressão atenta
da vida em alegria;
na defesa do teu lar
nas carícias que "espelhavas"
no teu querido "ninho"
no centro do coração
na palavra sempre isenta:
no ser que em ti vivia!
J M
(Difíceis as palavras para recordar a partida!)
08.10.2017
Regresso devagar aos lugares da minha infância
Lentamente para poder saborear
Os aromas, as brincadeiras, a abundância
De carinhos, as paixões e o luar!
J M