fugaCIDADEs
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Flores brancas tontas
ensaiam danças belas
na música do vento invernal;
parece que angustiadas,
procuram um sítio para pousar
trazendo consigo estrelas
num bailado circular e infernal.
Mas a natureza receptiva
tecendo lençóis de alvura
no lugar dos negros barrocais
sempre criadora e construtiva
alumiará a nocturna negrura
com uma esplendorosa, bela e altiva
brancura espessa e ideal.
JM
Desenhavam no ar arabescos interessantes
As gotas de chuva
Desorientadas pelo nevoeiro
Bailando com o vento
Fortemente sedutor.
Estranho bailado, estranha sedução!
Violentadas e arrastadas
Num bizarro amor
Doloroso e obrigado pelo coração!
JM
Há um corpo de mulher
caído na viela,
todos passam por ela
todos sem a ver.
Há um corpo de mulher
caído na rua,
todos olham para ela
porque está nua.
Ninguém o quer ver
nem o vai levantar;
todos antes na lama
o vão calcar e calcar ...
JM
O frio abateu-se sobre a cidade
Sentou-se nos bancos do jardim
Desceu as sinuosas ruas
Subiu as calçadas
E, cansado, esparramou-se
A todo o comprido
Aos pés de D. Sancho
Admirando, estupefacto,
A recém-ajustada Praça Velha.
Dez. 05
JM
Céleres as nuvens voam pelo azul
levadas pela pressa
de chegar a lado nenhum;
da chuva, deixam no ar gotas minúsculas
que irrigam lentamente as entranhas da terra;
trazem com elas o Norte soturno sinistro no frio e no gelo
trazem a branca beleza gélida dos pássaros rasantes do Estio
passageiros de lugares repentinos
efémeros nas vistas sequenciais
aparcarão lá mais para o sul
onde há a substância do azul
JM
Este nevoeiro denso
aflige a cidade, transtornando-a
macera-a no opaco intenso
que a tortura rodeando-a.
Pelas ruas que a manhã lava
engarrafa-se um trânsito compacto
onde um coração metálico latejava
esforçadamente em cada acto.
JM
Na paixão de cada instante
falas-me de nuvens douradas
do teu anseio de amante
de noites quentes desejadas.
A cidade aninha-se em degraus:
montanha abaixo vai descendo
desde os píncaros mais altos;
as casas abrigam-se do Inverno
aconchegando-se umas às outras
a aquecerem-se friorentas.
A cidade escalona-se monte abaixo
forte, farta, fiel e fria
e na sua formosura acalenta
frios agrestes da “Meseta”
e derrete os gelos forasteiros.
JM
“Beiral”
(A C. Verde)
Ao passar hoje, naquela rua,
que já milhentas vezes percorrera,
cheirou-me algo, que nunca vira,
senti o que nunca soubera.
Num canto esquecido e tímido,
forte na solidez da construção,
um beiral de ninhos, erguido,
com requintes de insinuação.
Um após outro encarreirados,
- qual deles se mostrava mais seguro! -
feitos com lama por enamorados,
presente com olhos de futuro!
Com que amor, com que paixão,
foram lineados até ao pormenor!
(Quanto mais acelera o coração
mais perfeita a obra do amor!)
Que vai e vem! Que chilreada alegre!
A pensar fui seguindo meu caminho:
que contraste entre o beirado do casebre
e o mundo, ausente de carinho!
J M