Jantáramos os dois pela primeira vez: amizade ou amor, pouco interessava desde que ali estivesses. O meu mundo ia mudando à medida do teu, a cada gesto vão da vã conversa antes que fôssemos p´lo Bairro Alto e enfim o Lumiar, a tua casa. Eu podia contar uma história, dizer como aquele rosto atravessava o meu - mas não, «nada de narrativas, nunca mais». Apenas a certeza de estar morto há tanto tempo, que já não me lembro de côr nenhuma dos teus olhos. Não, já não existe o dia nem a noite e este silêncio deve ser talvez a única resposta. É bem melhor ficar à espera de que não regresses.
Feliz, quem sabe, o vento. Sem memória, beijando-me nos lábios, ele abraça o meu destino às cegas na paisagem. É sempre nesse instante que regresso à poalha do céu onde começa talvez a maldição, talvez o encanto de invocar-te em silêncio. Porque, eu sei, entre palavras morre a cor dos sonhos, o vão pressentimento de estar vivo.
Feliz talvez o vento e no entanto, arrasta ainda areia e vagas vozes na praia ao abandono. A luz da tarde encobriu-se de névoa, só o mar ficou perto de mim - agora é simples: as ondas trazem novo o teu sorriso, movem o seu abismo nos meus olhos, mas lágrimas nenhumas vão salvar-me o corpo, a alma, as cinzas, esta vida.
É mais fácil partir quando o silêncio transpõe a tua voz. Mais simples celebrar a tão efémera certeza de estares vivo.
A música do ar esvai-se nas sombras, tu sabes que é assim, que os dias correm céleres, não tentes perseguir o seu rasto - repara como em abril as aves são felizes.
Sê como elas: não perguntes nada, deixa que o sol responda à flor da tarde e esquece-te do mundo.