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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Nocturno

Eram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava…

 

Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão…
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.

 

Era no gira-discos, o Martírio
de São Sebastião, de Debussy….
Era, na jarra, de repente, um lirio!
Era a certeza de ficar sem ti.

 

Era o ladrar dos cães na vizinhança.
Era, na sombra, um choro de criança…


David Mourão-Ferreira, in Infinito Pessoal

E por vezes as noites duram meses

 

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

 

David Mourão-Ferreira