A mão aberta já não liga E o sol desce tão devagar como o último voo das pombas. Há nos meus olhos dois poços Na paisagem Duas estrelas que ferem como rodas dentadas dentro de máquinas. E é noite. No meio do escuro peço Uma pedra incendiada. Pego-a com ambas as mãos Levo-a à boca e das chamas bebo Água
Dai-me da água ou da resina de um ramo Ou o baloiço apenas Da sombra, a verdura que o move O aroma que sobe o equilíbrio das folhas
Dai-me o oxigénio para aves que passam O chão de combustíveis adubado pelas águas Um pássaro de líquido, de vento, de coisas viajadas O movimento do mundo
O mundo desloca-me em segredo sem que os homem mudem
Amo o caminho que estendes por dentro das minhas divisões. Ignoro se um pássaro morto continua o seu voo Se se recorda dos movimentos migratórios E das estações. Mas não me importo de adoecer no teu colo De dormir ao relento entre as tuas mãos.
Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único Recado que repito para que me não esqueça. Pedra Que trago para sentar-me no banquete
A única glória no mundo — ouvir-te. Ver Quando plantas a vinha, como abres A fonte, o curso caudaloso Da vergôntea — a sombra com que jorras do rochedo
Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa Chaga do pastor Que abriu o redil no próprio corpo e sai Ao encontro da ovelha separada. Cerco
Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes A flor — várias árvores cortadas Continuam a altear os pássaros. Os caminhos Seguem a linha do canivete nos troncos
As mãos acima da cabeça adornam As águas nocturnas — pequenos Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas
Caem — quero fechar-me e cair. O silêncio Alveolar expira — e eu Estendo-as sobre a mesa da aliança
Amo-te nesta ideia nocturna da luz nas mãos E quero cair em desuso Fundir-me completamente. Esperar o clarão da tua vinda, a estrela, o teu anjo Os focos celestes que a candeia humana não iguala Que os olhos da pessoa amada não fazem esquecer. Amo tão grandemente a ideia do teu rosto que penso ver-te Voltado para mim Inclinado como a criança que quer voltar ao chão.
Com os meus amigos aprendi que o que dói às aves
Não é o serem atingidas, mas que,
Uma vez atingidas,
O caçador não repare na sua queda
(Daniel Faria nasceu em 1971, em Baltar, Paredes, Portugal. Licenciou-se em Teologia na Universidade Católica Portuguesa e em Estudos Portugueses na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Recebeu vários prémios literários relativos a inéditos de poesia e conto. Colaborou nas revistas Atrium, Humanística e Teologia, Via Spiritus e Limiar. Faleceu, em 9 de Junho de 1999.)