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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Soneto tremente

 

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Sou o dos desesperos enfadados.

Há na minh’ alma hortências a fluir.

Se eu pudesse deixar os meus cuidados

Ia-me repousar, ia dormir!

 

Pressentem-se na luz uns flébeis fados

Como coisa que em breve vai cair…

Eu sinto a dor dos ser’s inanimados.

Eu sinto tudo o que quiser sentir!

 

Esta sede sem fim de analisar

Acaba sempre em pré-neurastenia.

- Não mais me comover! Não mais pensar!

 

Fechar os olhos, sem força, parar…

- Que bom viver um sono de água fria,

Com a alma meia morta, a desfocar...

 

Cristovam Pavia

PRELÚDIO

Levanta-se da rocha a flor esmagada
Mais dura do que a rocha e cristalina.
Raízes, caule, pétalas, angústia.

 

Raízes para sempre ali cravadas,

Caule verticalmente inexorável,
Pétalas miraculosas: pura água.


Minhas mãos são chagas,
Para te colher…
Minhas mãos são chamas,
Pedaços de gelo…
Levanta-se da rocha a flor esmagada.

 

Cristovam Pavia

Subitamente

 

 

Subitamente ficas na paisagem
E olho os teus olhos quentes e antigos...
Tens sol e sede, tens brincos de cerejas 
E a pele cheirosa e fresca como água.

 

Subitamente sinto aquela sede
Dos sobreiros gretados, das estevas...
Mas perto, fonte ardente, dás frescura
À paisagem dormente e abrasadora! 

 

Cristovam Pavia

Na noite da minha morte

Na noite da minha morte

Tudo voltará silenciosamente ao encanto antigo...

E os campos libertos enfim da sua mágoa

Serão tão surdos como o menino acabado de esquecer.

 

Na noite da minha morte

Ninguém sentirá o encanto antigo

Que voltou e anda no ar como um perfume...

Há-de haver velas pela casa

E xales negros e um silêncio que eu

Poderia entender.

 

Mãe: talvez os teus olhos cansados de chorar

Vejam subitamente...

Talvez os teus ouvidos, só eles ouçam, no silêncio da casa velando,

E mesmo que não saibas de onde vem nem porque vem

Talvez só tu a não esqueças.

 

Cristovam Pavia