Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Apresentação de livro - Cristino Cortes

Cristino.jpg

Amanhã, em Lisboa, o poeta Cristino Cortes, natural de Fiães, Trancoso, apresenta o seu último livro de poemas, "O Que Fica". Com uma obra numerosa e variada, este livro reune as últimas produções do autor, que vêm na linha do seu conceito de poesia. Fica um poema com o título da obra para aguçar o apetite de leitura.

o que fica.jpg

 

 

POEMA DE NATAL

Nos arredores da cidade tenho uma lareira. 
Acendo-a e creio que nem seria Natal 
Sem a chama avermelhada dum monte de madeira 
E o calor de dentro de cada um íntimo sinal

 

Esqueçamos o fumo o acto de fumegar e o cheiro 
E a barriga aconchegada o que nos vai custar; 
O menino nasceu, há tempo da Páscoa chegar 
Um tempo de repouso um riso ao mudar-lhe o cueiro

 

Nem haveria Natal sem frio e sol e quem me dera 
Voltar a um coração de criança neste dia; 
Acreditar no que é próprio natural a alegria 
De quem nada receia tudo sabe e tudo espera...

 

Assim penso fixando e remexendo as brasas da lareira. 
É Natal, sim, é Natal desta e de muita outra maneira.

 

Em Lisboa pelo Natal... / Cristino Cortes. - 1ª ed. - Pragal-Almada : Ulmeiro, 1995.


Texto alt automático indisponível.

Poemas de Ironia e Má-Língua - Cristino Cortes

 

PIM capa.jpg

Editora: Calçada das Letras, Prefácio: Annabela Rita, Capa: Henrique Ribeiro

 

     "Poeta de escrita consolidada, Cristino Cortes presenteia-nos desta vez com a sua verve de sagaz observador do quotidiano poético, à Cesário. E, como Cesário, deixa a ironia soltar-se e revelar o que aos olhos de um leigo literário seria o banalíssimo dia a dia, mas que o seu olhar poético converte em temas de poesia. Este é um livro que entronca nos poemas satíricos medievais sejam de escárnio, sejam de maldizer. Que se revê nas “cousas de folgar e gentilezas” do Cancioneiro Geral. E, por aí fora, até aos nossos dias na corrente satírica da lírica portuguesa. E ali, ao dealbar do século XX, vamos parar inevitavelmente devido ao título provocatório do livro entroncado sem dúvida na provocação literário-dramática de Almada Negreiros e do seu Manifesto, PIM!

     O livro divide-se em três partes a que o autor chamou “Observações”, “Imaginações” e “Teorias e Homenagens”. Na primeira parte assistimos ao desfile de factos diários, como diz o título, observações em circunstâncias diversas desde o estado do tempo a abrir, à viagem de metro/autocarro, ao almoço, à espera no consultório, enfim, qualquer hora do dia serve ao poeta para ironizar observando o real quotidiano. Tudo é motivo poético; tudo é razão para o poeta organizar umas palavras e dar-nos belos quadros e alguns bem expressivos. Exemplifiquemos: o filme de sábado na TV atrasado que permite uma boa sesta, a viagem matinal no autocarro, a aparição surpresa da Musa (poema longo onde o sujeito poético se espraia desde o início da observação – atração formal à primeira vista – até à separação). As formas sedutoras da sereia prendem o olhar e faz-nos acompanhar a proposta de visita: as formas corpóreas, o vestuário, os trejeitos tudo que a torna uma deusa. E assim se fez o poema. Ou vai fazendo: “É o que faço, estou a fazer, em boa verdade já fiz.” (p. 17) Parece que o espanto foi tal que deixou o sujeito poético meio grogue. Até porque “O poema não tem qualquer exigência / - se é que ficou feito … como ela o merece e eu o quis.” (p.17) Enfim, depois da contemplação daquelas costas nuas, vem o desejo do poeta – mais arriscado que o de Cesário no “Deus lhe dê saúde” da regateira do “Bairro Moderno” – e mais altruísta: “Que os deuses a protejam, sortudo será o homem que a amar”.(p.17) Apontamentos de um novo amor relembrando a Bárbara Cativa camoniana.

     É pois este o tom desta primeira parte do livro. Há ainda o “Atestado … de não idade” onde o poeta brinca com as possibilidades de redação de um atestado médico não ao gosto do doente mas do doutor que diagnostica a pior de todas as doenças que alguém quer ouvir: velhice! “O que andou já não tem mais para andar”, (p. 23) (diz o poeta através da sabedoria popular. São aliás os dit(ad)os populares que servem muitas vezes para confirmar a ironia literária que o autor vai destilando ao cair dos versos: “Passou já o meio do mês e ainda não abri falência. / Isto é caso raro, algum burro irá cair da ponte. / Não deitemos foguetes antes da festa, …” (P.25) E, quase a terminar esta primeira parte, a salvação poética do autor através da observação da mesa vizinha no restaurante: alguém ria a bandeiras despregadas qual cascata de som em si próprio sem querer enrolado …”(p. 28) Era o riso cantante e alegre de uma rapariga cujo parceiro de mesa não apreciava da mesma maneira. No entanto o sujeito poético, depois de eles saírem e numa segunda composição, fica a divagar e a cogitar se aquele sorriso, riso ou o que quer que seja, corresponderia a outras performances da rapariga noutros domínios menos confessáveis.  E aí o maldizer entra no domínio do escárnio sexual afirmando “se em amar / Ela assim fosse, em vez de um precisaria de dois!” (p.29) o que faz lembrar aquelas eróticas cantigas medievais. O que seguiu só foi dado ao poeta adivinhar, mas lá que o dia ficou salvo, ficou: “Salvou-me visivelmente o dia e eu muito lho agradeço.”(29) E, a completar, o poema Aparências feito de insinuações cujo incipit aponta a direção para onde o sujeito poético nos quer encaminhar: “Nem sempre mostram as mulheres a vontade que lhes mora / por baixo da roupa. (33). Bem, o resto o leitor imagine ou então … leia, ou se quiser seguir o conselho do magno poeta “mais vale experimentá-lo que julgá-lo.” Experientes conselhos dos dois poetas.

     Após as oportunas observações veem as imaginações. Estas servem ao poeta para vencer o tédio das reuniões e vemo-lo a imaginar qual será a mulher mais bela por ali. E qual Páris, di-lo explicitamente, começa a escolha. Mas esta é difícil pois aquilo que agrada numa desagrada noutra, levando-o a desejar ser Fausto para ele próprio poder formar o corpo perfeito. A verdade é que assim as reuniões não são uma seca e quem fica a ganhar é a poesia. Recupera dos mortos a sua Eurídice por virtude do muito imaginar. E ainda observador (será que este poema não é uma observação e assim deveria estar na primeira parte?) segue atrás dela num deambulismo cesárico e vai-a construindo na sua imaginação. Ela é quase um sonho impalpável tão vaporosa aparece aos olhos do poeta. E é exatamente essa visão etérea que o acompanha e lhe faz soltar o desejo com que termina o poema: “… se a forma encontrasse / de como ela, também eu do íman do chão me libertasse!” (p. 45). E a viagem continua por uma série mais de poemas sempre no tom jocoso à boa maneira escarninha portuguesa dizendo sem dizer, mas deixando sempre entrever o que o leitor quiser imaginar. A ironia utilizada nalguns destes poemas lembra-nos também o Canto da Cigarra do nosso Augusto Gil especialmente naquele “Instante de autoironia” ou mesmo os epigramas do nosso poeta naquele “Estender de roupa”.

     Mais haveria a dizer, mas terminemos com as teorias e homenagens. O caminho percorrido até aqui mantém-se na mesma linha de humor e ironia breve. A novidade, se acaso existe, baseia--se na explicitação dos mentores desta linha temática para o poeta. Destaca-se o poema A outra versão de Penélope onde o poeta divaga sobre a razão da sua fidelidade a Ulisses – “Fui-te fiel, sim /Oh Ulisses bem amado! / Mas pouco mérito há nessa minha constância/ Foi a majestade de rainha que me salvou/ E o respeito pela tua posição / Dos homens que me rondavam as saias”. (p. 63) Depois voltamos aos médicos e aos consultórios e quase lá nos encontramos com Bocage; passamos pela autoidentificação irónica; finalmente chegamos aos poetas e simbolicamente encontramos a vingança de Florbela pela filoginia do poeta (será?) e terminamos o percurso com o Fernando Pessoa a deambular pelas ruas de Lisboa perseguido pelas suas sombras. Teria sido assim desde o nascimento? Com toda a probabilidade.

     É deste modo o percurso irónico e satírico do autor pela realidade diária que o cerca mais ou menos automaticamente sim, mas sempre com um espírito de observação poderoso. Percurso feito na sua maioria em sonetos shakespearianos composição tão ao gosto do poeta."

 

José Manuel Monteiro

 

Recensão publicada na última "Praça Velha" (nº 34)

Cristino Cortes (2)

 

Nos meus olhos, oh meu amor, inda transporto o brilho

Que um dia senti nos teus e só aos deuses peço
Essa memória permaneça; de tudo me despeço
Sem mágoa ou pesar de alma do que vier grato filho...
 
Nenhum véu de futuras lágrimas toldava esse encanto
Essa certeza de conseguir e toda se dar;
Para mim, aliás, se não dirigia esse olhar
Comum era o objectivo e assim lhe quero tanto
 
Falo no passado pois que esse tempo passou
Tal como muita coisa passou à face da terra;
Mas a gratidão é bálsamo que o coração me encerra
E a esse brilho jamais nenhum futuro o levou
 
Rolarão as esferas e os astros, tudo passará
E só esse brilho nos teus olhos não me esquecerá.
 
Poemas de Amor e Melodia, papiroeditora

Cristino Cortes - poeta

Cristino Cortes nasceu em Fiães, uma pequena aldeia perto de Trancoso, em 1953. Licenciou-se em Economia em Lisboa, cidade onde reside desde 1971. A maior parte da sua actividade profissional decorreu no âmbito do Ministério da Cultura. É casado e pai de dois filhos.

Fundamentalmente poeta, como as referências bibliográficas eloquentemente demonstram, Cristino Cortes tem também versado outras modalidades (o conto, a crónica, o artigo de opinião) em vários jornais e revistas, tendo alguns desses trabalhos sido já reunidos em volume, em 1998, 2003 e 2007 (Relances e Novos Relances de Maré e Vida nos dois primeiros casos e Viagens… Marés e Memórias no último, a sua primeira obra sob a chancela da Papiro Editora).

Apresentou publicamente alguns livros e proferiu conferências. Participou em antologias — uma das quais bilingue, em português e francês — e livros colectivos, tendo ele próprio organizado duas colectâneas, a última das quais sobre Pablo Neruda.

Traduziu, a partir do francês, poemas, os quais foram publicados. A sua obra tem tido algum eco em países estrangeiros (Espanha e França, sobretudo, mas ultimamente também na Alemanha e na Bélgica), nomeadamente através da tradução de poemas e da colaboração em algumas revistas, do meio universitário, aí localizadas.

A sua última obra poética foi a segunda edição, aumentada e definitiva, dos Poemas de Amor e Melodia, que em 1999 havia sido publicada pela Universitária Editora. Essa obra consta agora do catálogo da Papiro Editora (2009). Em 2011 perspectiva- ‑se a publicação de uma terceira edição, trilingue (português, alemão e castelhano), do seu O livro do pai, obra inicialmente vinda a lume em 2002.

Espuma dos dias úteis — Talvez Diário (1979 – 2009) é um reflexo do seu percurso literário e um curioso registo de impressões de um escritor a tempo inteiro, atento ao mundo que o envolve e no qual procura deixar a sua marca.

Mágoas

 Espuma

 

 

 

A foto foi "roubada" à BMEL e reporta-se a um evento aqui anunciado e referente ao dia 12 de Maio. Tratou-se da apresentação do livro de um amigo, natural de Fiães, Trancoso, mas que estudou e viveu aqui na Guarda. Essa amizade, iniciada através de um livro e agor estreitada levou o autor a pedir-me que fizesse a apresentação deste seu mais recente "A espuma dos dias úteis". Tratando-se de alguém que viveu na Guarda, pensou que deveria fazer aqui a "entrega" pública, porque era um gesto que prova a ligação que tem à cidade. Só que deve ter ficado desiludido com a quantidade de público presente ( era pouco, mas de qualidade!)

Nós, guardenses, temos uma maneira muito estranha de estar face a estes acontecimentos culturais: na maior parte das vezes primamos pela ausência e quando comparecemos é porque a amizade nos obriga a isso. Não somos curiosos e parece que temos inveja de que outros publiquem. 

O poeta/narrador Cristino Cortes merecia mais da cidade de que fala no seu livro! Merecia mais pela obra publicada que fala por si pois tem já um carácter internacional! Quero crer que a ausência foi motivada pela emoção de saber que outro guardense, também poeta, tinha recebido o Prémio Camões nesse mesmo dia.

Temos em comum também o facto de nos preocuparmos com a herança paterna e desejarmos preservar o património: outras culturas! Eu por mim vou-me dedicar mais a estas últimas porque ao menos a mãe-terra sempre nos devolve com juros o resultado do trabalho que temos com ela e assim me liberto do cansaço que o viver em sociedade nos traz. 

"Espuma dos dias úteis" - Cristino Cortes

 

 

  

  

Cristino Cortes nasceu em Fiães, Trancoso. Licenciou-se em Economia em Lisboa, onde reside actualmente. A maior parte da sua actividade profissional decorreu no âmbito do Ministério da Cultura.

Autor de variadíssimas obras publicadas em diversos estilos, Cristino Cortes oferece-nos, agora, com Espuma Dos Dias Úteis — Talvez Diário (1979 – 2009), que aqui se apresenta, um reflexo do seu extenso e profícuo percurso literário e um curioso registo de impressões de um escritor a tempo inteiro, atento ao mundo que o envolve e no qual procura deixar a sua marca.

 

 

 

Autor: Cristino Cortes

Apresentação do livro: José Manuel Monteiro

 

 

 

      

 

 

 

 

 

Soneto camoniano - Cristino Cortes

(I)

 

Mudam-se os tempos mudam-se as vontades
Permanecem os problemas e as confusões
- Jamais um homem se perdeu nas multidões
O vão propósito jamais ergueu uma cidade!

 

Todos os meses há chatices coisas certas
Para um dinheiro visivelmente minguante;
Desculpem-me o facto comezinho e rastejante
Possa Camões perdoar estas musas e suas ofertas!

 

Mas é este um canto nobre e digno, e até ver
Também aqui a pressão do concreto queima a asa
De quem teve um grande sonho mas ficou em casa

- Não se perdeu, ainda não, o hábito de comer!


Mudam-se os tempos e às vezes as vontades mudam
Só o homem permanece – e as questões que o animam.

 

(in “CRONOLOGIA e outros poemas”)

Os teus olhos - Cristino Cortes

Nos meus olhos, oh meu amor, inda transporto o brilho

Que um dia senti nos teus e só aos deuses peço
Essa memória permaneça; de tudo me despeço
Sem mágoa ou pesar de alma do que vier grato filho...
 
Nenhum véu de futuras lágrimas toldava esse encanto
Essa certeza de conseguir e toda se dar;
Para mim, aliás, se não dirigia esse olhar
Comum era o objectivo e assim lhe quero tanto
 
Falo no passado pois que esse tempo passou
Tal como muita coisa passou à face da terra;
Mas a gratidão é bálsamo que o coração me encerra
E a esse brilho jamais nenhum futuro o levou
 
Rolarão as esferas e os astros, tudo passará
E só esse brilho nos teus olhos não me esquecerá.
 
Poemas de Amor e Melodia, papiroeditora
 
 [CRISTINO CORTES nasceu em Fiães, uma pequena aldeia perto de Trancoso, em 1953.
Licenciou-se em Economia em Lisboa, cidade onde reside desde 1971.]