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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

MÃE

Para Sempre, Carlos Drummond de Andrade 

 

 

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho. 

'Lição de Coisas'

 

[Nos 95 anos da minha mãe: oxalá pudesse também eu promulgar a lei de que fala o poeta, "Mãe não morre nunca!"]

Feliz Ano Novo !!!

De repente,
num instante fugaz,
os fogos de artifício anunciam que
o ano novo está presente e o ano velho ficou para trás.
De repente, num instante fugaz,
as taças de champagne se cruzam e o vinho francês borbulhante anuncia que o ano velho se foi e ano novo chegou.

 

De repente, os olhos se cruzam,
as mãos se entrelaçam e os seres humanos,
num abraço caloroso,
num só pensamento,
exprimem um só desejo e uma só aspiração: PAZ E AMOR.

 

De repente,
não importa a nação,
não importa a língua,
não importa a cor,
não importa a origem,
porque todos são humanos e descendentes de um só Pai,
os homens lembram-se apenas de um só verbo: AMAR.

 

De repente,
sem mágoa,
sem rancor,
sem ódio,
os homens cantam uma só canção,
um só hino,
o hino da liberdade.

 

De repente,
os homens esquecem o passado,
lembram-se do futuro venturoso,
de como é bom viver. .

 

Feliz Ano Novo !!!

 

Carlos Drummond de Andrade

 

2010 - Carlos Drummond de Andrade

"Jornal do Brasil", Dezembro/1997:

 

Receita de Ano Novo


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.