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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Solemnia Verba

Antero.jpg

 

Disse ao meu coração: Olha por quantos 
Caminhos vãos andámos! Considera 
Agora, desta altura, fria e austera, 
Os ermos que regaram nossos prantos...


Pó e cinzas, onde houve flor e encantos! 
E a noite, onde foi luz a Primavera! 
Olha a teus pés o mundo e desespera, 
Semeador de sombras e quebrantos!


Porém o coração, feito valente 
Na escola da tortura repetida, 
E no uso do pensar tornado crente,


Respondeu: Desta altura vejo o Amor! 
Viver não foi em vão, se isto é vida, 
Nem foi demais o desengano e a dor.

À VIRGEM SANTÍSSIMA

                         Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia

 

 

Num sonho todo feito de incerteza,

De nocturna e indizível ansiedade

É que eu vi teu olhar de piedade

e (mais que piedade) de tristeza...

 

Não era o vulgar brilho da beleza,

Nem o ardor banal da mocidade...

Era outra luz, era outra suavidade,

Que até nem sei se as há na natureza...

 

Um místico sofrer... uma ventura

Feita só do perdão, só da ternura

E da paz da nossa hora derradeira...

 

Ó visão, visão triste e piedosa!

Fita-me assim calada, assim chorosa...

E deixa-me sonhar a vida inteira!


Antero de Quental

Antero de Quental

A M. C.

 

No Céu, se existe um céu para quem chora,

Céu para as mágoas de quem sofre tanto...

Se é lá do amor o foco, puro e santo,

Chama que brilha, mas que não devora...

 

No Céu, se uma alma nesse espaço mora,

Que a prece escuta e enxuta o nosso pranto...

Se há pai, que estenda sobre nós o manto

Do amor piedoso... que eu não sinto agora...

 

No Céu, ó virgem! findarão meus males:

Hei-de lá renascer, eu que pareço

Aqui ter só nascido para dores.

 

Ali, ó lírio dos celestes vales!

Tendo seu fim, terão o seu começo,

Para não mais findar, nossos amores.

 

 

Antero de Quental, Sonetos Completos

POESIA

A um poeta

                       

 (surge et ambula)

 

Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.

 

Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares
Um mundo novo espera só um aceno...

 

Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

 

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

 

                                                                 Antero de Quental
 

Com os mortos!

 (denisealves.wordpress.com)

 

Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…

Mas se páro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.

 

Antero de Quental

 

"Guarda: o melhor ar... frio"