Cesário diz-me muito:gostava de ferramentas,como eu, e vê-se que para ele o ser feliz era lançar,originais e exactos,os seus alexandrinos, empunhar ferramental honesto cuja eficácia ele sabia que não vinha da beleza,mas da perfeita adequação. Não tem halo,tem elo e o seu encadeado é o verso habilmente proseado.
(Que feliz eu seria,ó prima,se o Cesário me tivesse deixado uma garlopa!) António Nobre,embora seja muito em inho, é o grande Só que somos nós, por isso gosto dele(ai de mim,coitadinho!)
(E em conclusão do megalómano discurso, ó prima,um bilhete-postal para o Pessoa, a quem devemos todos tanto,a prima inclusive!)
Muito querido Pessoa,saberias agora que não basta ser lúcido,merda,que não basta a gente coser-se com as paredes e cercar de grandes muros quem se sonha, que não basta dizer basta de provincianos!
A meu favor Tenho o verde secreto dos teus olhos Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor O tapete que vai partir para o infinito Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor As paredes que insultam devagar Certo refúgio acima do murmúrio Que da vida corrente teime em vir O barco escondido pela folhagem O jardim onde a aventura recomeça.
Animais doentes as palavras Também elas Vespas formigas cabras De trote difícil e miúdo Gafanhotos alerta Pombas vomitadas pelo azul Bichos de conta bichos que fazem de conta Pequeníssimas pulgas uma sílaba só Lagartos melancólicos Estúpidas galinhas corriqueiras Tudo tão doente tão difícil De manejar de lançar de provocar De reunir De fazer viver
Ou então as orgulhosas Palavras raras Plumas de cores incandescentes Altos gritos no aviário E o branco sem uso Imaculado De certas aves da solidão
Para dizer Queria palavras tão reais como chamas E tão precárias Palavras que vivessem só o tempo de dizer a sua parte No discurso de fogo Logo extintas na combustão das próximas Palavras que não esperassem Em sal ou em diamante O minuto ridículo precioso raro De sangrar a luz a gota de veneno Cativa das entranhas ociosas.
Se uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de lisboa
No desenho que fizesse,
Nesse céu onde o olhar
É uma asa que não voa,
Esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
Dos sete mares andarilho,
Fosse quem sabe o primeiro
A contar-me o que inventasse,
Se um olhar de novo brilho
No meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu,
Me dessem na despedida
O teu olhar derradeiro,
Esse olhar que era só teu,
Amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
Morreria no meu peito,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração.
Alexandre O'Neill
Agora fico dividido entre a voz imortal da diva Amália ou a sensual(!) de Sónia Tavares para as palavras do grande poeta.
Verdadeira, recortada, sempre votiva é a rosa. Quem a dá, quem a ostenta, quem a colhe, quem a inventa, quem dela - a rosa - se lembra faz o voto de quebrar a pessoal solidão.
Se não troco o pão por rosas, não troco a rosa por pão.
Rosa. Rosa em verso, rosa em prosa: rosa rosa.
Rosa nome, rosa coisa, rosa flor, rosa rosa, rosa traço de união.
Rosa fugaz, recolhida noutra rosa já nascida. De rosa em rosa é a vida.
Ó rosa breve fulgor, lampejo na escuridão.
Se não troco o pão por rosas, não troco a rosa por pão.