POEMA NONO
Os versos mais pobres
canta-os o melro na sua desgraça,
aqueles que resistiram a um silêncio apedrejado
e se tornaram bocados de saudade.
É também negra a respiração do melro,
dela chega o fraco rumor da noite se o dia se gasta
no bico ansioso. O melro aprende
de baga em baga.
O coração do melro
senta-se à mesa da primavera
rodeado de canções. E canta
com a sabedoria das sementes, ergue-se
da tristeza com uma cítara que lhe oferecem
as folhas. O olho árduo e jovem
pertence à vertigem da tarde, torna infinita
a alegria das árvores de fruto. E ama-as. Com
um amor que Deus não conseguiu dar
a outro pássaro.
Canção pura, fria, e pobre,
é a do melro. A do canto alheio.
Aquele que prolonga os limites da tristeza
e enlouquece as mãos, a pele, a boca dos amantes,
esse que faz enlouquecer o próprio melro
quando vagueia alucinado à procura, no céu,
da inesperada luz
que faz florir as cerejeiras.
Joaquim Pessoa