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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Memórias


A tarde é negra e de chuva que surge dos lados da Estrela. (Outras negritudes mais carregadas surgem dos lados de Leste. Como pode o homem ser tão irracional! Bem diziam os romanos: homo homini lupus.) As recordações descem, por isso, também lentas e sombrias. Há poucas que permanecem, diluem-se geralmente nas brisas da tarde ou nos alvoreceres da noite vizinha das sensações. Porém, uma vai persistindo, teimosamente insistente, nos ocos interstícios da mente. E, apesar da força para que se vá embora, ela afasta-se apenas por breves instantes e logo volta, acho que revigorada, porque indelével. Sensação das sensações que saboreámos, miscelânea sinestésica de todo o corpo que se agita à sua simples e subtil lembrança. Olfacto e gosto e tacto! Sim, também auditivas! Falta a visão? Não, essa foi o início de tudo, a mãe de todas. Entranha-se, estranha-me. Entranha-se tanto que me indispõe a razão, essa doida fria e irracional que sempre me dominou. Por isso estranha-me perante mim mesmo, reforça-me o desejo de voltar atrás e contraria o que é racional. Como consegue ser assim tão marcante? Como se a lua estivesse aqui e pudesse saborear essa intensa emergência dos sentidos convocados e unidos nesse instante único e louco em que me beijas, em que te beijo. E, então, ouço os acordes de cumplicidades feitas de João Pedro Pais, Mafalda Veiga, Jorge Palma, Bryan Adams e mais mil e um que se perdem no éter da tarde que aos poucos vai morrendo. Como eu!

 



J M