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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Da Cultura

Os dias da cidade

Da Cultura

 

"Toda a cultura real trabalha para a libertação do homem e por isso é, na sua raiz, revolucionária."

(Sophia de Mello Breyner)

 

     Numa altura em que se celebra o Dia da Liberdade, vieram-me à memória estas palavras de uma das maiores poetisas do século XX português e, ao mesmo tempo, uma das grandes lutadoras contra o estado novo. A cultura deve ser sempre revolucionária e os políticos, porque sabem isso, tentam dominar esses espíritos criadores de ideias e textos capazes de mudar algumas mentalidades. É por demais sabido que os ditadores tentaram e tentam acabar com os pensadores e com as ideias novas porque, como diz a frase, elas libertam o homem.

     Liberdade é o anseio do homem instruído pela leitura. É a própria respiração que nos exige esse amor à liberdade: se não lermos não respiramos. A grandeza da república romana foi construída por homens que souberam valorizar e dar importância à cultura, com Marco Túlio Cícero à cabeça. Este homem foi o primeiro a defender a riqueza que é ter ideias próprias e pensar por si. No célebre discurso – não pela importância do caso jurídico em si, mas pelo tema tratado – “Em defesa do poeta Árquias”, faz a apologia da poesia e da cultura para exaltar a consciência de ser romano, mesmo não tendo nascido em Roma. Por isso também, a partir de certa altura, começou a ser perseguido pelo poder político da velha cidade. Precisamente porque, como disse Sofia, foi um revolucionário. As cidades tornam-se grandes quando os seus dirigentes respeitam e acolhem os escritores e pensadores. Também a produção literária dos cidadãos de uma cidade a enaltece e divulga fora de portas.

     A nossa cidade orgulha-se e bem de ter uma série de escritores ilustres que a exaltaram e que levaram o seu nome bem longe. Hoje, a Guarda continua a ter um grupo razoável de escritores. Não está em causa a sua valia literária ou a sua importância nacional. Alguns têm-na, outros podem vir a tê-la no futuro. Importa, sim, acarinhar e continuar a divulgar esses autores e esse foi o papel da BMEL durante algum tempo que, espero, sinceramente, continue a exercer. Recordo brevemente e a título exemplificativo alguns nomes que publicaram recentemente. Maria Afonso, Carlos Adaixo, Jorge Margarido, Odete Ferreira, Daniel Rocha, Manuel A Domingos, Alexandre Gonçalves, Rodrigo Santos, António Godinho e o mais produtivo e “internacional”, Américo Rodrigues. Peço desculpa se fica algum nome por referir, mas são alguns mais e que exigem uma atualização do livro “Antologia de Escritores da Guarda (séc. XII a XX)” dos também escritores António José Dias de Almeida e José Manuel Mota da Romana.

     Voltando ao ponto de partida, nada melhor para celebrar a liberdade de 74, do que promover a divulgação destes autores, para que a cidade possa ser referência para todo aquele que quer ser culto e assim levar à consciência de uma cidadania ativa. Só seremos livres se tivermos a possibilidade de conhecer, de interpretar, de sonhar como dizia Fernando Pessoa. Só o sonho liberta o ser humano. Se ficarmos apegados àquilo que as televisões nos impingem apenas seremos escravos das ideias de um grupo de financeiros que querem que o mundo pense à maneira deles para não os perturbar. Podemos não ser livres, mas devemos ter essa ânsia dentro de nós, como bem disse Miguel Torga: "Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Ou então, para terminar em grande, dizer com Sophia:

Esta é a madrugada que eu esperava 
O dia inicial inteiro e limpo 
Onde emergimos da noite e do silêncio 
E livres habitamos a substância do tempo 

   Celebremos a Liberdade!

 

[Texto publicado em "A Guarda", de 26.04.2018]