CAIS
“Ah, todo o cais é uma saudade de pedra.” – Fernando Pessoa
Sento-me no cais da tarde
E ouço o vento respirar a saudade.
Penso-me e sinto que arde
O tempo vespertino na idade
De uma infância que não tive.
Restauro as imagens guardadas,
O menino de escola e bibe
Regato breve de águas paradas.
Espalho-me como Caeiro pela encosta
E sou uma parcela do rebanho pessoal
De um Reis epicurista e que não gosta
De se sentir exageradamente banal.
Vejo o cais - da Ode Marítima - eufórico
Da modernidade ascendente e citadina.
E a pedra onde me sento e sinto plectórico
Ergue-se na minha mente em neblina.
Eivado de Pessoa, entro no meu destino
De procurar palavras exactas, expressivas,
Mas encontro só o eco inerte sem tino
E deserto de euforias modernas e vivas.
J M 30.11.2019