“A poesia é a arte de resistir ao tempo.”
“Sinto-me uma obra dos outros no sentido em que sou construído pela ternura, pela confiança, pela esperança dos outros.” (José Tolentino Mendonça)
Conheço este poeta há algum tempo e, desde que comecei a ler a sua poesia, senti que nela havia algo de diferente. Uma poesia de cariz humano, refletindo sobre as angústias do homem, mas de um modo positivo e optimista. Nos seus poemas há uma síntese de vários poetas do século XX, começando pelo inevitável Pessoa, mas também a procura persistente da palavra exacta como Eugénio de Andrade, ou uma espécie de saudosismo à Teixeira de Pascoaes e ainda uma tenacidade perante a vida e os valores cristãos mais relevantes na linha de Ruy Belo. Rigorosa e sintética será então a sua poesia. Ou nas suas palavras: a poesia é a arte de resistir ao tempo.
Quem é afinal este poeta pensador que o Papa quis como pregador para fazer o seu retiro quaresmal? Nascido na Madeira, em 1965, entrou para o Seminário aos 11 anos, por vocação: “A questão vocacional colocou-se muito cedo. Era uma questão relevante para mim desde miúdo”.Aos 16 anos escreveu o seu primeiro poema, A Infância de Herberto Hélder, poeta com quem partilhava a naturalidade madeirense e que admirava profundamente. “Aos 16 anos não sabia nada. Só sabia que amava o Herberto Hélder”, disse numa entrevista ao Público (11.12.2012).
Em 1990 foi ordenado sacerdote e publicou o seu primeiro livro de poesia: Os Dias Contados. Foi então para Roma estudar Ciências Bíblicas completando o seu percurso académico na Universidade Católica de Lisboa com o Doutoramento em Teologia Bíblica. È professor de teologia e atualmente Vice-Reitor da Universidade Católica. É também consultor do Conselho Pontifício da Cultura, desde 2011. Como biblista afirmou: “A Bíblia é um grande poema. Tem uma dimensão literária. Isso também lhe dá uma grande carga revelatória. Torna-a um livro intemporal. A Bíblia não é um catecismo. Não acho que se deva entender literalmente a Bíblia. A Bíblia precisa de interpretação.” (Público)
Afinal este escritor é Padre ou Poeta? É um HOMEM de cultura integrado no seu tempo e com uma mensagem inovadora em termos da Igreja. Como disse Francisco José Viegas, “O discurso dele é inovador para muita gente que não é católica, nem sequer cristã”. E, afinal, o que pregou ao Papa? Na primeira meditação citou Fernando pessoa e Lev Tolstoi para dizer que devemos aprender a desaprender; na segunda citou Clarice Lispector e Simone Weil sublinhando a importância de ter presentes os poetas no estudo da teologia. No último dia o Papa agradeceu as suas intervenções dizendo:
“Obrigado, padre, por nos falar da Igreja, este pequeno rebanho. E também por nos ter avisado para não nos encolhermos no nosso mundanismo burocrático e também por nos lembrar que a Igreja não é uma gaiola para o Espírito Santo, que o Espírito também voa e trabalha fora dela, Com as citações e com as coisas que nos contou, mostrou-nos como ele [o Espírito Santo] trabalha nos não crentes, nos pagãos e em pessoas de outras confissões religiosas: é universal, é o Espírito de Deus, e é para todos.”
A sua obra tem sido distinguida com vários prémios, entre eles o Prémio Cidade de Lisboa de Poesia (1998), o Grande Prémio de Poesia Teixeira de Pascoaes APE (2016). Contudo o melhor prémio é sem dúvida a unanimidade da crítica e os milhares de leitores da obra deste Padre que é também professor, poeta e ensaísta.
Texto publicado no jornal "A Guarda" de 29.03.2018