Sabendo de antemão que há estrelas no céu
Pedi aos cometas que fossem deixando rasto
Para o resto do tempo
Mas como a humanidade se esgrime ao contratempo
Regurgitei os pensamentos de anteontem
Mas sem véu
Porque afinal a vida é um filme sem meios de realização
Onde os actores se sentem perdidos
Estragados humilhados e ofendidos
Sem temor a qualquer razão ou perdão.
JM
A noite cai pálida e transparente
por detrás de uma vidraça de loucuras,
onde os anjos brincam de crianças
e os homens de tristezas e venturas.
O homem das estrelas cai oblíquo
no paço das canções por inventar
e nas ruas da cidade o orvalho
cai por entre as gotas de luar.
O sonho das crianças surge ingente
no ar aberto da madrugada
e sente-se pairar um quase - tudo
onde a satisfação surge realizada.
Um novo dia, nova Primavera
assoma forte no alvorecer
e se as promessas não forem vãs
o mundo vai voltar a amanhecer.
J.M.
Ser poeta não é ondular montanhas,
nem sequer pôr janelas na alma.
J.M.
A minha alma é um bulício,
onde as planícies da tarde, desaguam
os sonhos do entardecer;
onde a vida se esvai no crepúsculo
e sobra pouco para o amanhecer;
onde a lua perde os seus raios de prata
e ganha novo rejuvenescer;
onde o sol perde a consistência
e deixa o dourado se desvanecer;
onde a essência da vida se dana
mas os sonhos ganham alento de ser...
J.M.
(arbustos no jardim)
Com uns gritos cor de vinho
alucinavam a paisagem
e, ao lado,
as frágeis folhas do freixo
ensaiavam estranho bailado
sacudidas por um vento sensual.
J. M.
Uma ave passava
lenta e solene
na tarde aveludada
de um Setembro oblíquo
deixando no ar
gestos perfeitos
de um equilíbrio inato.
À sombra das poucas nuvens
traçava esquissos
de parábolas e ogivas ambíguas.
Animava-a, contudo, a beleza ingente
duns gestos gritados
na certeza inexorável
de uma liberdade absoluta.
J. M.
No escuro translúcido do tempo
restam vaga-lumes artificiais
que impedem o pensamento
(grave e duro contratempo!)
de mergulhar nas metáforas existenciais.
E do subconsciente diluído
chegam Platão, Aristóteles, Zenão,
Epicuro e tantos outros mais
em suas cavernas e mundos ficcionais
produtos da noê , da paixão
que, na vida, arrastam o coração.
J. M.
O LARGO
Tudo se resolveu partir naquela tarde.
O Largo ficou triste, solitário e temeroso.
No silêncio ouvia-se um respirar afogueado
revolvendo-se num pavor misterioso.
Ergueu-se, de repente, um grito vermelho
(o silêncio fugiu branco e veloz)
inerte, inócuo e pervertido
grito de loucura de um mundo a sós.
J.M.
“tempus fugit”
O tempo espantou-se e fugiu amedrontado;
as avezitas gorjearam de medo
pois pelos ares passaram
aves estranhas e loucas
cheias de sangue e morte,
de loucura e desespero.
J. M.
Apetece-me morder o chão das palavras,
rasgar-lhe as veias;
vê-las tremer de agonia
prostradas aos pés de mim.
Voar no espaço com elas,
percorrer o tempo eterno,
gemer na hora incerta
e gastar até ao âmago
o inegastável segundo.
J. M.