Alvaro de Campos
No universo uno e diverso de Fernando Pessoa, sou irmão gémeo de Alberto Caeiro e respiro a natureza que ele respira sem coragem de julgar-me igual a ele na poética. Mas há dias em que a loucura inexacta de Álvaro de Campos se me impõe imediata e inflexível e inexorável. Nesses dias os impulsos saem instintivos e normalmente descambam para cima dos outros. Será da chuva, será da psiqué emocionalmente desiquilibrada, será da consciência da inutilidade de uma vida? Questões a que me é difícil responder porque a luta entre a sensação e a razão é indefinível e irresolúvel. Então, ... só me resta a identificação com este Campos:
Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei-de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
Lisboa, (uns seis a sete meses antes do Opiário) Agosto 1913