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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Reno e chuva

Colónia, 27 de Agosto de 1970.

RENO

Doiro feliz da Europa

Turvado de carvão e de poesia,

A correr sem cachões

Num lírico cenário sem mortórios,

A que mar de harmonia

Levas as pulsações

De tantos corações

Contraditórios?

 

Torga, Diário XI

(Para vermos que não é só neste Verão que chove e como a chuva se transforma em reflexão!)

Gerês, 27 de Agosto de 1942 — São cinco horas da manhã, mas não posso dormir. Choveu muito estes três dias, e um pobre ribeiro turístico que passa debaixo da janela do meu quarto canta pelas fragas fora que é um regalo ouvi-lo. Além disso estou numa daquelas noites de consciência universal — à minha escala, claro está — em que tudo me bate à porta e pede compreensão e amor. No repouso do leito, o mundo como que deixa de ter o seu cheiro fétido, e a vida chega à nossa razão, calma, clara, perene e grande. Coisas triviais erguem-se da sua mesquinhez, e é na morna quentura dos lençóis que, por exemplo, nos sabe inteiramente um largo passeio dado há cinco ou vinte anos, na companhia querida de alguém, ou na doce solidão dum desespero. O silêncio da noite clarifica pormenores que chega a parecer milagre que tivessem tanta pureza. O que eu vejo agora de quanto cuidei ver pelo dia adiante!

Torga, Diário II