...
O pintor morreu
envolto em rosas de maio,
olhando os meninos do Bairro Negro,
cantando os cravos rubros
de um abril florido.
Em Grândola poeta-libertador,
dum povo adormecido,
na longa noite de 33;
em abril soldado em flor
que desabrochou a 24,
numa manhã ingente e fresca
florida em liberdade.
Na noite, cantor-maldito
de vampiros e eunucos
cuja voz rompeu os tímpanos
e absurdos assombros:
Peniche, Caxias, Tarrafal.
Em Coimbra, amigo do vento
levado do Choupal à Lapa
nas brisas ternas dos sonhos
até aos filhos da madrugada.
Em Portugal poeta-músico
cujo machado não corta
a enraizada lembrança
gravada a palavras-fogo
no peito da nossa memória.
E se alguém se enganou
com seu olhar modesto
verá correr as águas claras
dos mananciais da música
que guardam perenemente
a timbrada voz universal
de abril-liberdade!
J M (23.02.1987)