Serra da Estrela
Serra da Estrela, Poço do Inferno, 22 de Julho de 1951.
MERGULHO
Tirem o Céu da sua altura triste;
Olhem a cor do inferno aqui no chão:
Verde-esmeralda que, se não existe,
E um milagre de luz em cada mão.
Anjos de barro, o nosso espelho apenas
Deve ser o cristal que viu Narciso:
Água dum poço de ilusões pequenas
Onde morra e renasça o Paraíso.
Coimbra, 22 de Julho de 1958.
FÁBULA DA FÁBULA
Era uma vez
Uma fábula famosa,
Alimentícia
E moralizadora,
Que, em verso e prosa,
Toda a gente
Inteligente,
Prudente
E sabedora
Repetia
Aos filhos,
Aos netos
E aos bisnetos.
À base duns insectos,
De que não vale a pena fixar o nome,
A fábula garantia
Que quem cantava
Morria
De fome.
E, realmente...
Simplesmente,
Enquanto a fábula contava,
Um demónio secreto segredava
Ao ouvido secreto
De cada criatura
Que quem não cantava
Morria de fartura.
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