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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

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Prémios literários e Cultura

A memória das palavras

 

Prémios literários e Cultura

 

"A Terceira miséria é esta, a de hoje.
A de quem já não ouve nem pergunta.
A de quem não recorda"

Hélia Correia, "A Terceira Miséria"

 

      Os prémios literários servem para quê? Para fazer conhecer mais e melhor os escritores ou para os escritores serem conhecidos e lidos? Quantos Nobel da literatura foram descobertos depois do prémio e quanto tempo durou a fama? Quantos se tornaram de projeção mundial se não o eram já antes?

   Vêm estas perguntas retóricas a propósito da atribuição de dois prémios literários a uma escritora do nosso país pouco conhecida do grande público, mas com uma obra importante no panorama da literatura nacional. A escritora Hélia Correia foi, numa só semana, distinguida com dois prémios: um pelo conjunto da sua obra, outro pelo seu livro de poesia “A Terceira Miséria”. O primeiro, com o nome de Vergílio Ferreira, foi outorgado pela Universidade de Évora ao conjunto da obra desta escritora; o segundo, Casino da Póvoa”, foi divulgado esta quinta-feira (21.02) no início desse acontecimento literário que cada ano ganha mais interesse e onde acorrem alguns dos principais nomes das letras e que é o “Correntes d’Escritas”. O interessante é que um foi atribuído pela obra de narrativa e ensaio e o outro por uma obra de poesia.

     Hélia Correia é uma professora de Português do ensino secundário, formada em Filologia Românica e que sempre admitiu ter uma predileção especial pela poesia. No entanto, foi a sua obra romanesca que a tornou mais conhecida e representa a geração de 1980 através dos contos e novelas que estão cheios de prosa poética. É uma escritora que utiliza a linearidade narrativa como Gabriel Garcia Marquez ou como a nossa Agustina. Está pois inserida na modernidade narrativa e acompanha a literatura atual embora um dos temas mais recorrentes seja o da ascensão social em meio rural. A sua escrita aproxima-se bastante de um discurso oral em busca do poder encantatório da palavra e próxima da técnica do conto popular. O primeiro livro, “O separar das águas”, é de poesia, mas foi a sua novela Montedemo que a tornou mais conhecida e que realizou de algum modo a sua atração pelo teatro uma vez que foi levada à cena pelo grupo de teatro O Bando. Foi essa sua paixão pelo teatro e pela Grécia antiga que a levaram a participar na representação de Édipo Rei, na Comuna. É o seu amor à Grécia que a leva a escrever os poemas do livro agora premiado “A Terceira Miséria” e ela própria fez questão de o referir ao afirmar que o povo grego está a sofrer uma pressão inaceitável assim como o nosso país. O livro é “uma mensagem muito forte: quase um pedido de socorro, um grito” a reivindicar o direito à liberdade económica. Comparou mesmo o seu livro às canções de intervenção de José Mário Branco. É o regresso à poesia grega e à função didática que Aristóteles defendia para a literatura.

     Já agora e aproveitando a referência ao Correntes d’Escritas, de referir a intervenção do escritor Helder Macedo que, na linha de coerência do seu pensamento, elogiou o papel e a persistência da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim ao organizar esta iniciativa, especialmente perante a situação de contenção que se vive em relação à cultura. “Somos um país que é perdulário como só os países pobres como nós o são e onde há as maiores fortunas e simultaneamente as maiores desigualdades”, lamentou o escritor e criticou o progressivo desinvestimento governamental na cultura, mesmo quando ela é sempre “a coisa mais barata”, e que maior relevo dá ao nosso país, também a nível internacional. Lamentou ainda que Portugal não saiba reconhecer pessoas da área da cultura que são conhecidos no estrangeiro e que podiam dar um contributo grande ao país adiantando que se segue uma política cultural de pedintes porque quer exportar cultura mas não tem bases para o fazer. Nada de muito novo, mas sabe sempre bem ouvi-lo da boca de quem tem autoridade moral e cultural para o fazer.

 

(jornal "A Guarda" de 07.03.2013)