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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Lírica camoniana

Tanto de meu estado me acho incerto,

Que em vivo ardor tremendo estou de frio;

Sem causa, juntamente choro e rio,

O mundo todo abarco, e nada aperto.

 

É tudo quanto sinto um desconcerto:

Da alma um fogo me sai, da vista um rio;

Agora espero, agora desconfio;

Agora desvario, agora acerto.

 

Estando em terra, chego ao céu voando;

Num' hora acho mil anos, e é de jeito

Que em mil anos não posso achar um' hora.

 

Se me pergunta alguém porque assim ando,

Respondo que não sei; porém suspeito

Que só porque vos vi, minha Senhora.


**********


Pede o desejo, Dama, que vos veja:

Não entende o que pede; está enganado.

É este amor tão fino e tão delgado,

Que quem o tem não sabe o que deseja.

Não há cousa, a qual natural seja,
Que não queira perpétuo o seu estado.
Não quer logo o desejo o desejado,
Só por que  nunca falte onde sobeja.

Mas este puro afeto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,

Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.



Luís de Camões