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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Chove ?

 

Chove ? Nenhuma chuva cai... 
Então onde é que eu sinto um dia 
Em que ruído da chuva atrai 
A minha inútil agonia ?

 

Onde é que chove, que eu o ouço ? 
Onde é que é triste, ó claro céu ? 
Eu quero sorrir-te, e não posso, 
Ó céu azul, chamar-te meu... 

 

E o escuro ruído da chuva 
É constante em meu pensamento. 
Meu ser  é a invisível curva 
Traçada pelo som do vento...

 

E eis que ante o sol e o azul do dia, 
Como se a hora me estorvasse, 
Eu sofro... E a luz e a sua alegria 
Cai aos meus pés como um disfarce.

 

Ah, na minha alma sempre chove. 
Há sempre escuro dentro de mim. 
Se escuro, alguém dentro de mim ouve 
A chuva, como a voz de um fim...

 

Os céus da tua face, e os derradeiros 
Tons do poente segredam nas arcadas...

 

No claustro sequestrando a lucidez 
Um espasmo apagado em ódio à ânsia 
Põe dias de ilhas vistas do convés

 

No meu cansaço perdido entre os gelos, 
E  a cor do outono é um funeral de apelos 
Pela estrada da minha dissonância... 

 

Fernando Pessoa