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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Café do Molhe


Perguntavas-me 
(ou talvez não tenhas sido 
tu, mas só a ti 
naquele tempo eu ouvia) 

porquê a poesia, 
e não outra coisa qualquer: 
a filosofia, o futebol, alguma mulher? 
Eu não sabia 

que a resposta estava 
numa certa estrofe de 
um certo poema de 
Frei Luis de Léon que Poe 

(acho que era Poe) 
conhecia de cor, 
em castelhano e tudo. 
Porém se o soubesse 

de pouco me teria 
então servido, ou de nada. 
Porque estavas inclinada 
de um modo tão perfeito 

sobre a mesa 
e o meu coração batia 
tão infundadamente no teu peito 
sob a tua blusa acesa 

que tudo o que soubesse não o saberia. 
Hoje sei:escrevo 
contra aquilo de que me lembro, 
essa tarde parada, por exemplo. 

 

Manuel António Pina, "Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança" (1999)