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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Dia de saudade


Dia de saudade. Dia de memória.



Estás connosco pelo que nos deixaste em herança. O saber de experiências feito. A educação que não te deixaram acabar, mas que nunca descuraste ao longo da vida. O exemplo. Este foi tudo porque é o que nos distingue como teus filhos.



Amaste a terra que chamaste tua e que trabalhaste com esperança. Tu deste-lhe vida e ela recompensou-te com belas colheitas. Trabalhaste com esforço. Arduamente.



Depois, um dia a saúde traiu-te. O esforço tinha sido demasiado. O corpo negou-se a viver mais. Deixaste-nos e a saudade plantou-se-nos na alma. E enraizou e continua a produzir frutos. Em nós, nos teus netos. Na sociedade.



É Março. Hoje chove. A natureza renasce em pujança.



A saudade mora cá bem dentro da nossa alma. E tu permaneces na memória agradecida.



O dia é teu. Ainda. Pai

 



J M

Memórias


A tarde é negra e de chuva que surge dos lados da Estrela. (Outras negritudes mais carregadas surgem dos lados de Leste. Como pode o homem ser tão irracional! Bem diziam os romanos: homo homini lupus.) As recordações descem, por isso, também lentas e sombrias. Há poucas que permanecem, diluem-se geralmente nas brisas da tarde ou nos alvoreceres da noite vizinha das sensações. Porém, uma vai persistindo, teimosamente insistente, nos ocos interstícios da mente. E, apesar da força para que se vá embora, ela afasta-se apenas por breves instantes e logo volta, acho que revigorada, porque indelével. Sensação das sensações que saboreámos, miscelânea sinestésica de todo o corpo que se agita à sua simples e subtil lembrança. Olfacto e gosto e tacto! Sim, também auditivas! Falta a visão? Não, essa foi o início de tudo, a mãe de todas. Entranha-se, estranha-me. Entranha-se tanto que me indispõe a razão, essa doida fria e irracional que sempre me dominou. Por isso estranha-me perante mim mesmo, reforça-me o desejo de voltar atrás e contraria o que é racional. Como consegue ser assim tão marcante? Como se a lua estivesse aqui e pudesse saborear essa intensa emergência dos sentidos convocados e unidos nesse instante único e louco em que me beijas, em que te beijo. E, então, ouço os acordes de cumplicidades feitas de João Pedro Pais, Mafalda Veiga, Jorge Palma, Bryan Adams e mais mil e um que se perdem no éter da tarde que aos poucos vai morrendo. Como eu!

 



J M

Se ...


Se uma simples andorinha



me trouxesse no seu bico

um raio intenso de luar

era muito capaz de ficar

neste sítio onde fico

para te sentir sempre minha!

 



Mas a avezita vai-se embora

na fresca brisa vespertina

e nada me deixa ficar

assim só me resta esperar

que a orvalhada matutina

não me deite a esperança fora.

 



Dela me sustento e mantenho

e se acaso me vier a faltar

como hei-de então sobreviver?

Nem sei o que preciso saber

nem o caminho consigo achar!

Não me sinto nem me tenho!

 



JM

Medo


 



Deixei-me levar p’la aventura do medo,

vivi experiências desertas de fugas,

fechei as portas à vida e à morte,

tranquei-me por dentro do desespero.

 



Vigiei pedaços de aventura louca,

corri paixões à espera de lucro,

no fim de tudo não ficou nada

porque a ânsia era desmedida.

 



Gastei pedaços à espera do tempo

mas este fugiu para fora de mim

e na tarde infinita do sábado imenso

encontrei-me só num mundo-penedo.

 



Louvei aos montes a sua grandeza

cantei à vida a grande desgraça,

perdi-me tonto na hora da natureza:

fiquei parado na aventura do medo.

 



J M

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