A ingratidão é um vício dos animais
que nunca reconhecem
quanto as pessoas lhe dão.
E, como não têm coração,
facilmente esquecem
os benefícios das virtudes teologais.
Já os homens nunca são ingratos.
Esquecidos, transtornados, talvez!,
ignorantes de certos factos
que não convém lembrar,
esperando a sua vez
de conseguir dominar.
Tentam sempre espezinhar,
distorcer,
contrariar,
corromper,
mas ingratos, não!
Isso é para os animais
que agem sem coração!
Por isso dizia Herculano
que o melhor amigo do humano
é certamente … o cão!
18.03.2014
JM
Li o teu poema oblíquo de chuva, ó poeta!
e, nas asas do irreal,
parti deslizando
p'lo infinito aberto da tua poesia.
Imerso na densidade do porto,
passei de cor as velas da razão:
nos vultos das árvores banhei-me de sol
e nas águas sombrias de perfeição.
Enlevei-me no sonho que me deste
e, nos versos que geraste,
vi o cais lamacento
da vertical humanidade derrubada.
Quis-me fingidor a teu lado
mas escorreguei na lama do cais,
onde o Estio grita revoltado
a liberdade perdida jamais.
Passando de través pela rua
doirei a perfeição palpitante,
nas pedras da fresca calçada
onde a vontade rastejava delirante.
Um laivo de génio passou.
Da minha voz - quase nada -
saiu este grito de mim.
A árvore ergue os braços nus
e suplicantes
por um dia cheio de luz
e de nuvens faiscantes ...
E, no crepúsculo belo e atraente,
os candeeiros, pirilampos breves,
iluminam a mente sobressaltada
e persistente,
ávida de uma bela madrugada
plena de ideias, imaculada
de sonhos lindos e leves.
16 de março de 1981 - 16 de março de 2021
Tão distante e tão perto.
Dia de nervoso miudinho. Esperava-me uma escola e umas turmas para aprender a ser professor. O autocarro que me levava à Portela de Sacavém, para mim, ia muito depressa. A Escola Preparatória Gaspar Correia ia ser o local do meu baptismo profissional. Gente linda do 5º e 6º anos esperavam-me curiosas: era o professor substituto até ao fim do ano.
E assim começou uma série de anos e de escolas. Primeiro na região de Lisboa, na Amadora e, anos mais tarde, na Guarda. Foi uma pequena peregrinação comparada com a que os candidatos de hoje realizam.
São anos de alguns desencantos, mas de muitas alegrias. Ver crescer pessoas e acompanhar esse percurso é uma experiência única e inolvidável. Ajudar nas aprendizagens e na vida é gratificante. Aprender continuamente com crianças e adolescentes contribui decididamente para que a vida ganhe sentido. E, assim, parece que foi ontem. Que ainda não passaram 40 anos. Porém, a verdade, é que já passaram. Mudou muito a Escola? Sim e não.
Sim, pois o sistema educativo teve que evoluir por causa das tecnologias e das ideias acerca das aprendizagens.
Não, pois o "material" que faz as escolas é feito de seres humanos que têm sempre muito a dar e receber.
Voltaria a fazer o mesmo percurso? Claramente. Apesar das condições actuais.
Fiquem as palavras do poeta:
Valeu a pena? Tudo vale a pena
se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
tem que passar além da dor.
(Fernando Pessoa)
Senhor, sinto-me hoje perdido:
já não há paz, não há sossego,
vivo na inquietude, desiludido
com o homem que só impõe o medo.
Do oriente ao ocidente tudo muda,
a fragilidade é nossa companheira,
a rapacidade é comum e pontiaguda,
a vida é efémera e passageira.
Que esperança, então, pode sobreviver
neste universo corrupto em decadência?
O dinheiro, as finanças e o poder
vão destruindo os limites da decência.
Resta a esperança de que a chama vinda
das cinzas leves da Fénix imolada
renasça a ordem e mantenha ainda
a hipótese da ressurreição desejada.
Tarde
Hoje a tarde chovia
lentamente sobre a serra:
quase lágrimas de lua.
Da terra
rescendia
o aroma tão belo
a chão molhado
e parece que o dia
fertilizava o semeado!
O cuco cantava genuinamente
e respondia-lhe a poupa
fazendo uma sinfonia, naturalmente...
No corpo começava a sentir-se a roupa
molhada não do suor
mas das gotas da lua cheia de amor.
JM
“Luna”
Nos raios da lua quase cheia
descem as nostálgicas saudades,
ribeiras de águas cristalinas
inundando o corpo de idades
insuspeitadas, de jaspe e coralinas,
de retumbante e clara ideia.
E a prata das saudades infindas
mitiga a sede da água da lua
e deixa projectadas em cada rua
as figuras perdidas, leves e lindas
que o amor marcou a fogo
quando imberbe brincou: mago jogo!
E ri-se lá do alto, frígida e bela,
a lua, essa louca feiticeira,
refletindo na vidraça da janela
o que ficou imerso no coração
de um quarto crescente: primeira,
indelével, rebelde e assimétrica paixão.
JM
sustenta o céu cinzento
entrecortado
por olhos de vento
espreitando
desperto entre nuvens
entrelaçando
os dedos divinos
sistinos
(de Miguel Ângelo).
Sentado no banco sombrio
Deus prepara a recriação
de outro Adão
mais humilde e sóbrio.
[Foto de Carlos Adaixo]
Há mulheres que cheiram a terra
Há outras que cheiram a serra
Há as que misturam a argila
Há as que fecundam a vida
Pega numa braçada de flores e leva-as contigo
e quando chegares ao pé dela
se tiveres vontade de a desdizer
desfolha uma a uma as belas rosas:
bem te quero, bem te quero, bem te quero ...
Abre depois um largo sorriso amigo
e mostra-lhe ser a única, ela,
capaz de sempre te compreender;
oferta-lhe palavras amorosas:
bem te quero, bem te quero, mais te quero ...
E lembra-te que é tua irmã
tua amada, tua princesa;
amima-a cada bela manhã
e mantém a chama acesa
da verdade, do amor e do bem:
nunca esquecendo sua missão: Mãe!