Não façam chorar as crianças.
Deixem florir as rosas,
não lhe esmaguem as pétalas.
Não esmaguem as pétalas às rosas
que as crianças precisam de florir!
De espaços se faz a vida. E de tempos.
Razões forçosas originam a ausência.
Horas promovem a separação.
Emergentes emoções lívidas caminham
abstratas e ingratas
pelas vielas travessas da cidade-velha.
Angústias pardas velam o tempo de existir
para além de nós.
Árduas tarefas excluem a contemplação do luar,
a contemplação da lua cheia
perfeita na sua luz refratária.
E, nos caminhos da noite,
a vida aparece translúcida.
... é um vazio que se forma, uma ausência que se intensifica paulatinamente. são as saudades que aumentam na proporção da distância. embora, depois, o tempo mitigue a dor, insensivelmente e sem darmos por isso, sentimos apenas que nos falta algo. que perdemos uma essência, um carinho, um amparo, um encosto, uma razão. mas ... há sempre a presença invisível sim, mas palpável quando percorremos a casa habitada, quando viramos a terra tratada, quando cheiramos os sítios comuns. e assim quem parte vive em nós em cada momento, em cada visita, em cada expiração. sempre e para sempre.
09.01.2018
J M
Esta sensação estranha de perda irrecuperável
arrastou-me o dia melancolicamente
na saudade de um tempo passado.
A lembrança da tua presença carinhosa
da tua maternal atenção
amparam-me hoje na distância.
Estás ainda na memória
estás ainda no sentimento
estás ... e sempre estarás!
Foi num dia assim de um janeiro distante
que o rio da tua vida brotou.
Da frieza circunstante
apareceu
cresceu
e mais tarde desaguou
noutros cinco rios mais
que hoje te continuam e recordam.
Sem dúvida – houve vários sinais –
unanimemente concordam
que a tua água foi luz
para seus periclitantes cursos.
Amparaste os seus percursos,
aliviaste a sua cruz,
e deste-lhes a vida também.
Com o fim do dia as sensações
recolhiam ao silêncio recatado
que a noite calma propicia.
Ondas sucessivas, convulsões,
primícias de corpo desejado,
misto de regeneradora alegria
que a noite reporá na ansiada calma
em sonhos de fundada esperança.
Novo dia, leve renovação da alma!
(07.01.2014)
JM
Sombras descendo
rápidas pelas veredas
apagam os rastos
marcados no chão
dos corpos ansiosos e vadios
embrulhados na folhagem outonal.
Pés sujos arrastados
demorodamente pelas gredas
vidas reduzidas ao coração
olhos satisfeitos e luzidios
realização plena, excepcional.
Um poema é vida: avança
sem medo
e em cada penedo
de serra temerosa e altaneira
encontra a esperança
do recomeço.
E ao chegar ao cume do cabeço
(obstáculo transformado em verso)
a bonança prometida
em cada vale apazigua,
dos sentidos, a ansiedade.
Porém, renovado o desejo,
como quem recebe um amoroso beijo,
a profusão de uma estrofe
constrói-se dia a dia
na chama da palavra escolhida.
Feita a selecção
e escrito verso a verso
o poema retrata a perfeição
da imperfeição humana seu reverso.
04.01.2015
J M
Está serena a tarde:
desprendem-se-lhe frias
as palavras
que se acomodam
nos lábios simpáticos
do vento nordeste.
Lá para o alto, no castelo,
luzem ainda os raios preguiçosos
da lua nascente
mas breve virá o gélido nevoeiro
e destruirá a lucidez da noite incipiente.
E as palavras, afinal, dirão apenas
aquilo que o ouvinte distraído
com o ecrã cintilante
do sedutor telemóvel
o deixar perceber:
as palavras humilhadas
fugirão com o gélido nevoeiro
na ignorância imposta
pelas novas seduções.