Há 25 anos não havia trovoada, nem condições para existir, mas a notícia caiu em nós com os efeitos dramáticos da perda. O teu coração parava, depois de uma luta persistente. Deixava-nos a tua essência de pai, orientador da família, de nós. O teu espírito permanece connosco, hoje à distância destes tempos vividos. Continuas vivo porque te lembramos, porque estás em nós, porque estás connosco. Ainda. Enquanto houver memória.
Hoje, quase à beira do fim de um maio específico
fico à espera que a noite te devolva a vida
roubada num dia final como hoje.
Busco em mim as memórias de ti
e vejo-te
no tempo da aldeia
dominante no espírito honesto
de quem doma a terra
dando exemplos pelo exemplo.
Anoiteceste um dia como hoje.
As memórias de ti espalharam-se
pelos espaços que ainda são teus:
a casa, o chão, os cômaros,
os lameiros, os pinhais, ...
sei lá, os espaços marcados
pela tua ternura paterna.
A lua continua lá, mas já não é a mesma.
E a noite opaca revive-te apenas na memória dos gestos.
Falta a luz dos teus olhos na paisagem: O oiro dos restolhos não fulgura. Os caminhos tropeçam, à procura Da recta claridade dos teus passos. Os horizontes, baços, Muram a tua ausência. Sem transparência, O mesmo rio que te reflectiu Afoga, agora, o teu perfil perdido. Por te não ver, a vida anoiteceu À hora em que teria amanhecido.
Hoje regressei à Escola passados dois meses e uns dias. E neste regresso senti um misto de alegria e tristeza.
Alegria, porque revi, cara a cara, os meus alunos. A alegria do reencontro numa situação de pandemia não pode, contudo, ser plena. O estar na sala de aula, o ouvir e fazer ouvir. O partilhar conhecimentos, o prazer de aprender ainda com eles ou eles comigo.
Mas nada é igual. É uma alegria estranha que se entranha em nós. Não há, à nossa frente, o sorriso juvenil, descarado e apaixonado. Há uma série de rostos tapados por uma máscara que, minuto a minuto, nos relembra que vivemos tempos perigosos. Não há a alegria expansiva dos adolescentes. Há rostos (melhor, pedaços de rostos) que transmitem medo e inibem a partilha total.
Por isso, a tristeza. Esta não é a Escola que criámos durante anos; não é o ensino que nos deu tantas alegrias. Tudo vai ficar bem? Não, não podemos voltar a ficar bem. Haverá sempre algo que nos inibe. Onde o abraço espontâneo para exprimir a alegria do reencontro? Onde a possibilidade do beijo de parabéns à aluna que celebra o aniversário? Não, esta Escola não é aquela em que vivi 38 anos, que me deu tantas alegrias.
No entanto, em termos de organização, está tudo no bom caminho. Se houver casos, não será culpa da Direção que pôs a funcionar uma máquina bem oleada em que tudo encaixa. Nos percursos, na limpeza das salas, na segurança que acabamos por sentir ao regressarmos.
Hoje, porém, foi um dia estranho. Que prevaleça a alegria da esperança em dias melhores.