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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

SOPHIA (1919-2019)

Poema para Sophia de Mello Breyner Andresen

 

Não sei porque floriram no meu rosto
os olhos e os rostos que há em ti.
Floriram por acaso, ao sol de Agosto
sem mesmo haver Agosto ou sol em mim.
Não sei porque floriram: se o orvalho os queima
(Ponho as mãos nos olhos para os proteger!)
Tão estranho! florirem no meu rosto
olhos e rostos que não posso ver.
.
Eugénio de Andrade,
Fevereiro de 1946

SOPHIA (1919-2019)

 

Senhor se da tua pura justiça
Nascem os monstros que em minha roda eu vejo
É porque alguém te venceu ou desviou
Em não sei que penumbra os teus caminhos

 

Foram talvez os anjos revoltados.
Muito tempo antes de eu ter vindo
Já se tinha a tua obra dividido

 

E em vão eu busco a tua face antiga
És sempre um deus que não tem um rosto

 

Por muito que eu te chame e te persiga.

 

MAR NOVO

SOPHIA (1919-2019)

 

CANTATA DA PAZ 


Vemos, ouvimos e lemos 
Não podemos ignorar 
Vemos, ouvimos e lemos 
Não podemos ignorar

 

Vemos, ouvimos e lemos 
Relatórios da fome 
O caminho da injustiça 
A linguagem do terror

 

A bomba de Hiroshima 
Vergonha de nós todos 
Reduziu a cinzas 
A carne das crianças

 

D'África e Vietname 
Sobe a lamentação 
Dos povos destruídos 
Dos povos destroçados

 

Nada pode apagar 
O concerto dos gritos 
O nosso tempo é 
Pecado organizado

 

Canções com aroma de abril

 

 

SOPHIA (1919-2019)

Quando

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta 
Continuará o jardim, o céu e o mar, 
E como hoje igualmente hão-de bailar 
As quatro estações à minha porta. 

Outros em Abril passarão no pomar 
Em que eu tantas vezes passei, 
Haverá longos poentes sobre o mar, 
Outros amarão as coisas que eu amei. 

Será o mesmo brilho, a mesma festa, 
Será o mesmo jardim à minha porta, 
E os cabelos doirados da floresta, 
Como se eu não estivesse morta. 

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Dia do Mar'