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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

SOPHIA (1919-2019)

As Amoras

 

O meu país sabe às amoras bravas 
no verão. 


Ninguém ignora que não é grande, 
nem inteligente, nem elegante o meu país, 
mas tem esta voz doce 
de quem acorda cedo para cantar nas silvas. 
Raramente falei do meu país, talvez 
nem goste dele, mas quando um amigo 
me traz amoras bravas 
os seus muros parecem-me brancos, 
reparo que também no meu país o céu é azul.

 

Mar Novo

SOPHIA (1919-2019)

Os Erros

 

A confusão a fraude os erros cometidos 
A transparência perdida — o grito 
Que não conseguiu atravessar o opaco 
O limiar e o linear perdidos

 

Deverá tudo passar a ser passado 
Como projecto falhado e abandonado 
Como papel que se atira ao cesto 
Como abismo fracasso não esperança 
Ou poderemos enfrentar e superar 
Recomeçar a partir da página em branco 
Como escrita de poema obstinado?

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das coisas

SOPHIA (1919-2019)

Escuto

Escuto mas não sei 
Se o que oiço é silêncio 
Ou deus 

Escuto sem saber se estou ouvindo 
O ressoar das planícies do vazio 
Ou a consciência atenta 
Que nos confins do universo 
Me decifra e fita 

Apenas sei que caminho como quem 
É olhado amado e conhecido 
E por isso em cada gesto ponho 
Solenidade e risco

 

Sophia de Mello Andersen, Geografias

SOPHIA (1919-2019)

Um dia, mortos, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados, irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais, na voz do mar,
E em nós germinará a sua fala.

 

Sophia, Dia do Mar

SOPHIA (1919-2019)

A noite reúne a casa e o seu silêncio
Desde o alicerce desde o fundamento
Até à flor imóvel
Apenas se ouve bater o relógio do tempo

 

A noite reúne a casa a seu destino
Nada agora se dispersa se divide
Tudo está como o cipreste atento
O vazio caminha em seus espaços vivos.

 

Sophia, Geografia

SOPHIA (1919-2019) (retificado)

Peço desculpa aos meus leitores, mas retirei o poema publicado neste dia. Tinha-o retirado do Portal da Literatura, mas um artigo do Público mostrou-me que se trata de uma atribuição indevida à grande poeta. Cada vez mais somos "enganados" por aquilo que  a net nos oferece. Terei mais cuidado nas fontes utilizadas.