Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos, Sacode as aves que te levam o olhar. Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras. . Porque eu cheguei e é tempo de me veres, Mesmo que os meus gestos te trespassem De solidão e tu caias em poeira, Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras E os teus olhos nunca mais possam olhar.
Nunca choraremos bastante quando vemos O gesto criador ser impedido Nunca choraremos bastante quando vemos Que quem ousa lutar é destruído Por troças por insídias por venenos E por outras maneiras que sabemos Tão sábias tão subtis e tão peritas Que nem podem sequer ser bem descritas
Espero a tua vinda a tua vinda, em dia de lua cheia.
Debruço-me sobre a noite a ver a lua a crescer, a crescer...
Espero o momento da chegada com os cansaços e os ardores de todas as chegadas...
Rasgarás nuvens de ruas densas, Alagarás vielas de bêbados transformadores. Saltarás ribeiros, mares, relevos... - A tua alma não morre aos medos e às sombras!-
Mas..., Enquanto deixo a janela aberta para entrares, o mar, aí além, sempre duvidoso, desenha interrogações na areia molhada...
Com fúria e raiva acuso o demagogo E o seu capitalismo das palavras
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada Que de longe muito longe um povo a trouxe E nela pôs sua alma confiada
De longe muito longe desde o início O homem soube de si pela palavra E nomeou a pedra a flor a água E tudo emergiu porque ele disse
Com fúria e raiva acuso o demagogo Que se promove à sombra da palavra E da palavra faz poder e jogo E transforma as palavras em moeda Como se fez com o trigo e com a terra
Sophia de Mello Breyner Andresen, "O Nome das Coisas"
Está serena a tarde: desprendem-se-lhe frias as palavras que se acomodam nos lábios simpáticos do vento nordeste.
Lá para o alto, no castelo, luzem ainda os raios preguiçosos da lua nascente mas breve virá o gélido nevoeiro e destruirá a lucidez da noite incipiente.
E as palavras afinal dirão apenas aquilo que o ouvinte distraído com o ecrã cintilante do sedutor telemóvel o deixar perceber: as palavras humilhadas fugirão com o gélido nevoeiro na ignorância imposta pelas novas seduções.
No teu amor por mim há uma rua que começa Nem árvores nem casas existiam antes que tu tivesses palavras e todo eu fosse um coração para elas Invento-te e o céu azula-se sobre esta triste condição de ter de receber dos choupos onde cantam os impossíveis pássaros a nova primavera Tocam sinos e levantam voo todos os cuidados Ó meu amor nem minha mãe tinha assim um regaço como este dia tem E eu chego e sento-me ao lado da primavera