As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores Os pássaros começam onde as árvores acabam Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se Deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal Como pássaros poisam as folhas na terra Quando o Outono desce veladamente sobre os campos Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores Mas deixo essa forma de dizer ao romancista É complicada e não se da bem na poesia Não foi ainda isolada da filosofia Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros Quem é que lá os pendura nos ramos? De quem é a mão a inúmera mão? Eu passo e muda-se-me o coração.
Às vezes, quando a noite vem caindo, Tranquilamente, sossegadamente, Encosto-me à janela e vou seguindo A curva melancólica do Poente.
Não quero a luz acesa. Na penumbra, Pensa-se mais e pensa-se melhor. A luz magoa os olhos e deslumbra, E eu quero ver em mim, ó meu amor!
Para fazer exame de consciência Quero silêncio, paz, recolhimento Pois só assim, durante a tua ausência, Consigo libertar o pensamento.
Procuro então aniquilar em mim, A nefasta influência que domina Os meus nervos cansados; mas por fim, Reconheço que amar-te é minha sina.
Longe de ti atrevo-me a pensar Nesse estranho rigor que me acorrenta: E tenho a sensação do alto mar, Numa noite selvagem de tormenta.
Tens no olhar magias de profeta Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas... Adivinhas... Serei a borboleta Que vendo a luz deixa queimar as asas.
No entanto — vê lá tu!— Eu não lamento Esta vontade que se impõe à minha... Nem me revolto... cedo ao encantamento... — Escrava que não soube ser Rainha!
Ouço correr a noite pelos sulcos do rosto – dir-se-ia que me chama, que subitamente me acaricia, a mim, que nem sequer sei ainda como juntar as sílabas do silêncio e sobre elas adormecer.
O poema segue as premissas da guerrilha urbana. Jamais revela identidades e endereços. Estabelece que pontos de contacto não sejam escritos, apenas memorizados. Cancela dos seus arquivos nomes legais ou ilegais e toda a espécie de informação biográfica, mapas e planos. Não permite a ninguém conhecer a globalidade dos elementos em campo.
Sentado na mesa do café devasso Olho a paisagem vestida a verde Extasiam-se-me os olhos no poente, E revejo a tua Milady, ó Cesário Verde!
Sem desprimor para a airosa rapariga Portuguesa de lei e bem elegante Que passa simples e descontraída No seu fato de treino desestressante.
Ao longe, as eólicas lutam desesperadas Contra a força intensa do frio norte E as árvores, nesta altura, desfolhadas Agitam os ramos perdido já o porte.
E vêem-me à memória uns dias estivais Cheios de emoções e passeio matutino Intensos, secos, avessos a vendavais Iludindo a força secreta do fatal destino.
Triste condição humana: efemeridade! Tudo é passageiro e fugaz e inexorável! Sensações enganadoras de felicidade! Ilusões perdidas de uma vida: lamentável!
(Sorriso cúmplice de mãe e filha Que termina em sonora gargalhada, Foi uma pequena maravilha Iluminando a tarde enevoada!)
Aqueles que me têm muito amor Não sabem o que sinto e o que sou ... Não sabem que passou, um dia, a Dor À minha porta e, nesse dia, entrou.
E é desde então que eu sinto este pavor, Este frio que anda em mim, e que gelou O que de bom me deu Nosso Senhor! Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!
Sinto os passos da Dor, essa cadência Que é já tortura infinda, que é demência! Que é já vontade doida de gritar!
E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio, A mesma angústia funda, sem remédio, Andando atrás de mim, sem me largar!
nas palavras lavo os panos tristes que ao fim de uma estação retêm agora a sensação dos dias, o lume dos passos. . sinto que é um outro tempo, um outro jeito de dobrar esquinas, um outro modo de pisar a terra - é tudo isto comprimido num pulso, cingido dentro de veias como pequenas vozes mudadas em canções ao acordar do ano. . vem, vem comigo, neste magnífico nascimento, ouvir bater a espuma no cinzento das rochas, e deixar passar as horas como quem flutua à tona do tempo, inteiramente mergulhado no mundo - vem dormir sob o luminoso manto da lua cheia. . hei-de dizer-te um dia como se escolheu a cor do mar.