Sempre de manhã,
com chuva o com sol,
mesmo com frio ou nevoeiro,
de ruela em ruela,
ouvíamos gritar:
"Mulheres, chegou o ferro-velho!"
Todas as manhãs
te víamos chegar...
com um grande saco as costas,
um charuto apagado,
o fato esfarrapado,
a boina e as alpargatas.
E sempre, sempre seguido
pela canalha miúda.
Eras a grande atracção.
Tu, o teu saco e a canção.
Sou o ferro-velho,
compro garrafas, papéis,
compro trapos, roupa usada,
guarda-chuvas, móveis velhos...
Sou o ferro-velho,
os miúdos gritam e cantam.
"Mau, já começo a chatear-me.
Não lhes disse a vossa mãe
que eu sou o homem do saco?"
E até à noite assim,
de ruela em ruela,
e de taverna em taverna.
Com os teus papéis
encharcado em vinho,
voltarás à tua casa.
E voltas feliz,
porque todo compraste:
o peixe, o vinho, uma vela.
E o pouco de amor
que te deve ter dado
qualquer rameira velha.
Sem tempo para pensar.
Toca a dormir. Sopra a vela.
E amanhã pelo mundo girar
tu, teu saco e a canção..
Alexandre O'Neil
https://www.youtube.com/watch?v=5X1AD4cQa9w
Deixei a saudade invadir-me as ruas.
Havia vento forte e as rajadas
Traziam com elas gotas de amor
Arrebatadas
Às tranças de uma tempestade
Cujos sentimentos eram o espelho da dor
Da sonolenta e ávida cidade.
Caminhei sem destino
Pelas veredas da emoção
E perdido nos meandros do coração
Dei por mim lacrimejando, o destino
Foi madrasto e arrebatou-me
Aquela doce sensação
De te amar. Secou-me!
A chuva fria e arrepiante
Destes outonos conturbados
Pôs-me a realidade diante
Dos olhos e marejados
Impediram-me a visão
Dessa rua invadida pela saudade.
Caminharei só em plena cidade?
A quem “cantarei de amor tão docemente”?
Abandono a tua imagem à minha mente
E esperarei lutando com tenacidade …
20.10.2014
J M
Meu país vestido de negro e vermelho,
Quem te destrói assim indecentemente?
Quem devora tua riqueza natural?
Quem arde teu Interior tão velho?
Quem diz que ajuda mas só mente?
Quem lucra com a morte, afinal?
Quem queima os nossos corpos?
Quem devora a simples alma?
Quem é o coveiro da esperança?
Ficamos amargos, feios e tortos
Foge-nos aos poucos a calma
E roubam-nos a paterna herança!
Meu país de luto e dor,
Viraste, acaso, país de rancor?
J M - 16.10.2017
Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?
Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono
Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha
qualquer. Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha.
Ruy Belo
Estás connosco cada dia:
no sorriso peculiar
nas flores que tratavas
com carinho
(e que ainda lá estão)
na expressão atenta
da vida em alegria;
na defesa do teu lar
nas carícias que "espelhavas"
no teu querido "ninho"
no centro do coração
na palavra sempre isenta:
no ser que em ti vivia!
J M
(Difíceis as palavras para recordar a partida!)
08.10.2017