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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

O ferro-velho

 

Sempre de manhã,
com chuva o com sol,
mesmo com frio ou nevoeiro,
de ruela em ruela,
ouvíamos gritar:
"Mulheres, chegou o ferro-velho!"

Todas as manhãs
te víamos chegar...
com um grande saco as costas,
um charuto apagado,
o fato esfarrapado,
a boina e as alpargatas.

E sempre, sempre seguido
pela canalha miúda.
Eras a grande atracção.
Tu, o teu saco e a canção.

Sou o ferro-velho,
compro garrafas, papéis,
compro trapos, roupa usada,
guarda-chuvas, móveis velhos...

Sou o ferro-velho,
os miúdos gritam e cantam.
"Mau, já começo a chatear-me.
Não lhes disse a vossa mãe
que eu sou o homem do saco?"


E até à noite assim,
de ruela em ruela,
e de taverna em taverna.
Com os teus papéis
encharcado em vinho,
voltarás à tua casa.

E voltas feliz,
porque todo compraste:
o peixe, o vinho, uma vela.
E o pouco de amor
que te deve ter dado
qualquer rameira velha.

Sem tempo para pensar.
Toca a dormir. Sopra a vela.
E amanhã pelo mundo girar
tu, teu saco e a canção..

 

Alexandre O'Neil

 

https://www.youtube.com/watch?v=5X1AD4cQa9w

 

A invasão

praça velha.jpg

 

Deixei a saudade invadir-me as ruas.

 

Havia vento forte e as rajadas

Traziam com elas gotas de amor

Arrebatadas

Às tranças de uma tempestade

Cujos sentimentos eram o espelho da dor

Da sonolenta e ávida cidade.

 

Caminhei sem destino

Pelas veredas da emoção

E perdido nos meandros do coração

Dei por mim lacrimejando, o destino

Foi madrasto e arrebatou-me

Aquela doce sensação

De te amar. Secou-me!

 

A chuva fria e arrepiante

Destes outonos conturbados

Pôs-me a realidade diante

Dos olhos e marejados

 Impediram-me a visão

Dessa rua invadida pela saudade.

 

Caminharei só em plena cidade?

A quem “cantarei de amor tão docemente”?

 

Abandono a tua imagem à minha mente

E esperarei lutando com tenacidade …

 

20.10.2014

J M

Meu país ...

panoias.jpg

Meu país vestido de negro e vermelho,

Quem te destrói assim indecentemente?

Quem devora tua riqueza natural?

 

Quem arde teu Interior tão velho?

Quem diz que ajuda mas só mente?

Quem lucra com a morte, afinal?

 

Quem queima os nossos corpos?

Quem devora a simples alma?

Quem é o coveiro da esperança?

 

Ficamos amargos, feios e tortos

Foge-nos aos poucos a calma

E roubam-nos a paterna herança!

 

Meu país de luto e dor,

Viraste, acaso, país de rancor?

 

J M - 16.10.2017

...

outono.jpg

 

 

Mas que sei eu das folhas no outono 
ao vento vorazmente arremessadas 
quando eu passo pelas madrugadas 
tal como passaria qualquer dono?

Eu sei que é vão o vento e lento o sono 
e acabam coisas mal principiadas 
no ínvio precipício das geadas 
que pressinto no meu fundo abandono

Nenhum súbito súbdito lamenta 
a dor de assim passar que me atormenta 
e me ergue no ar como outra folha

qualquer. Mas eu que sei destas manhãs? 
As coisas vêm vão e são tão vãs 
como este olhar que ignoro que me olha.

Ruy Belo

Memórias

mae.jpg

 

Estás connosco cada dia:
no sorriso peculiar
nas flores que tratavas
com carinho 
(e que ainda lá estão)
na expressão atenta
da vida em alegria;

na defesa do teu lar
nas carícias que "espelhavas"
no teu querido "ninho"
no centro do coração
na palavra sempre isenta:
no ser que em ti vivia!

J M

(Difíceis as palavras para recordar a partida!)

08.10.2017