Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

"Mater Dolorosa".

 

Quando se fez ao largo a nave escura,

na praia essa mulher ficou chorando,

no doloroso aspecto figurando

a lacrimosa estátua da amargura.

 

Dos céus a curva era tranqüila e pura:

das gementes alcíones o bando

via-se ao longe, em círculos, voando

dos mares sobre a cérula planura.

 

 Nas ondas se atufara o sol radioso,

e a lua sucedera, astro mavioso,

de alvor banhando os alcantis das fragas...

 

E aquela pobre mãe, não dando conta

que o sol morrera, e que o luar desponta,

a vista embebe na amplidão das vagas...

 

gonçalves crespo.jpg

Começa o outono

 

 

Começa o outono. Começou o outono.
Não faz frio e o calor que há não existe.
Indefinidamente tenho sono.
Sem motivo, estou triste.

 

Mas se um momento, entre o que as nuvens dão
De triste ao espaço, o sol aparecer,
Também clareia no meu coração
E começo a esquecer.

 

Não a esquecer só o que já havia
Mas também o que estava por chegar,
Na luminosidade fugidia,
Do coração e do ar.

 

Fernando Pessoa, Poesia

Outono

outono.jpg

 

 
Viam-se nas gotículas matinais do nevoeiro,
finas farpas que feriam a pele,
como o duro frio matinal;
 
também o vento, sorrateiro,
sacudia algumas folhas cor de mel
que tombavam no chão, afinal;
 
mesmo os teus olhos afanosos
que faiscavam nos outros dias
hoje estavam bastante incertos.
 
Ah! outono dos saudosos!
vieste com tuas bizarras fantasias:
cuidado, coração: olhos abertos!
 
J M
22.09.2016

Aprender a Estudar

 

Estudar é muito importante,
mas pode-se estudar de várias maneiras…

 

Muitas vezes estudar não é só aprender o que vem nos livros.

 

Estudar não é só ler nos livros que há nas escolas.
É também aprender a ser livres, sem ideias tolas.
Ler um livro é muito importante,
às vezes, urgente.


Mas os livros não são o bastante para a gente ser gente.
É preciso aprender a escrever,
mas também a viver,
mas também a sonhar.
É preciso aprender a crescer,
aprender a estudar.

 

Aprender a crescer quer dizer:
aprender a estudar,
a conhecer os outros,
a ajudar os outros,
a viver com os outros.
E quem aprende a viver com os outros
aprende sempre a viver bem consigo próprio.

 

Não merecer um castigo é estudar.

 

Estar contente consigo é estudar.

 

Aprender a terra,
aprender o trigo
e ter um amigo
também é estudar.

 

Estudar também é repartir,
também é saber dar o que a gente souber dividir
para multiplicar.

 

Estudar é escrever um ditado
sem ninguém nos ditar;
e se um erro nos for apontado
é sabê-lo emendar.

 

É preciso, em vez de um tinteiro,
ter uma cabeça que saiba pensar, pois,
na escola da vida, primeiro está saber estudar.

 

Contar todas as papoilas de um trigal
é a mais linda conta que se pode fazer.

 

Dizer apenas música, quando se ouve um pássaro,
pode ser a mais bela redação do mundo…

 

Estudar é muito, mas pensar é tudo!

 

Ary dos Santos

Os cardeais em ceia!

Ceia.jpg

Nem a frase sutil,
nem o duelo sangrento…
É o amor coração,
é o amor sofrimento.
Uma lágrima…Um beijo…
Uns sinos a tocar..
Um parzinho que ajoelha
e que vai casar.
Tão simples tudo!
Amor, que de rosas se inflora:
Em sendo triste canta,
em sendo alegre chora!
O amor simplicidade,
o amor delicadeza…
Ai, como sabe amar,
a gente portuguesa!
Tecer de sol um beijo, e,
desde tenra idade,
Ir nesse beijo unindo o amor
com a amizade,
Numa ternura casta
e numa estima sã,
Sem saber distinguir entre
a noiva e a irmã…
Fazer vibrar o amor em
cordas misteriosas,
Como se em comunhão se
entendessem as rosas,
Como se todo o amor fosse
um amor somente…

Ai, como é diferente!

Ai, como é diferente!

(Julio Dantas, A ceia dos cardeais)

Pequena Elegia de Setembro

 

menino sorridente oferecendo flores.jpg

Não sei como vieste, 
mas deve haver um caminho 
para regressar da morte. 

Estás sentada no jardim, 
as mãos no regaço cheias de doçura, 
os olhos pousados nas últimas rosas 
dos grandes e calmos dias de setembro. 

Que música escutas tão atentamente 
que não dás por mim? 
Que bosque, ou rio, ou mar? 
Ou é dentro de ti 
que tudo canta ainda? 

Queria falar contigo, 
Dizer-te apenas que estou aqui, 
mas tenho medo, 
medo que toda a música cesse 
e tu não possas mais olhar as rosas. 
Medo de quebrar o fio 
com que teces os dias sem memória. 

Com que palavras 
ou beijos ou lágrimas 
se acordam os mortos sem os ferir, 
sem os trazer a esta espuma negra 
onde corpos e corpos se repetem, 
parcimoniosamente, no meio de sombras? 

Deixa-te estar assim, 
ó cheia de doçura, 
sentada, olhando as rosas, 
e tão alheia 
que nem dás por mim. 

Eugénio de Andrade