Abrir, lavrar o coração
patenteá-lo veia a veia
e mostrar a todos que a razão
essa louca, é quase sempre feia.
Gritar ao mundo as loucuras
da sociedade ingrata e injusta
fechando-se a todas as ternuras
desprezando tudo o que custa.
Dizer ao mundo o meu nojo
p’lo ódio, opressão, violência
bonecos articulados com merda no bojo
mas se dizem senhores da ciência.
J M - 17.01.2017
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Quando as pombas forem livres como as andorinhas,
quando às águias não invejarem as louvaminhas;
os leões pastarem junto com as ovelhas
e as espadas se transformarem em relhas;
quando os homens destruírem as cadeias,
e forem capaz de eliminar ruins ideias;
quando tudo isto suceder
e o homem fizer o bem acontecer
o reinado do amor começará
e qualquer profecia se cumprirá.
J M - 16.01.2017
Apetece-me morder o chão das palavras,
rasgar-lhe as veias;
vê-las tremer de agonia
prostradas aos pés de mim.
Voar no espaço com elas,
percorrer o tempo eterno,
gemer na hora incerta
e gastar até ao âmago
o inegastável segundo.
J M – 13.01.2017
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[Foto de Carlos Adaixo]
Tudo se resolveu partir naquela tarde.
O Largo ficou triste, solitário e temeroso.
No silêncio ouvia-se um respirar afogueado
revolvendo-se num pavor misterioso.
Ergueu-se, de repente, um grito vermelho
(o silêncio fugiu branco e veloz)
inerte, inócuo e pervertido,
grito de loucura de um mundo a sós.
J M – 12.01.2017
Marujos do mar com fim
dobrando Bojadores e Tormentas
colhendo flores exóticas
para além do irracional.
Marujos do mar sem medo
enfrentando a solidão
de Mostrengos e Adamastores
navegando através da ilusão.
Deixam tudo e, à deriva,
p’las ondas salgadas avançam
arriscando a Primavera
dos jovens anos em botão.
J M – 11.01.2017
As lâminas do tempo
rasgam a saudade líquida
do passado
afiadas entram na pele da memória
e revivem-nos os rostos
daqueles que amamos e partiram
ficam os farrapos das lágrimas
à flor da memória-saudade
assomando às janelas da alma
mas o presente é nosso
e nessas lâminas agudas
construímos o futuro do coração.
J M – 10.01.2017
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Dizer terra, fecundação, carinho, ...
Dizer ovo, madre, coração, ...
Dizer sémen, cuidado, marinho, ...
Dizer chuva, amor, paixão, ...
Dizer força, prazer, embrião, ...
Dizer húmus, maia, afecto, ...
Dizer coragem, arte, criação, ...
Dizer seio, úbere, tecto, ...
Dizer terra, femina, mulher
Dizer tudo e o princípio também
Dizer aquilo a que mais se quer
É dizer, simplesmente, MÃE!
(JM)
[Seriam 102 - sempre!]
Não façam chorar as crianças.
Deixem florir as rosas,
não lhe esmaguem as pétalas.
Não esmaguem as pétalas às rosas
que as crianças precisam de florir!
J M – 08.01.2017
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De espaços se faz a vida. E de tempos.
Razões forçosas originam a ausência.
Horas promovem a separação.
Emergentes emoções lívidas caminham abstratas e ingratas pelas vielas travessas da cidade-velha.
Angústias pardas velam o tempo de existir para além de nós.
Árduas tarefas excluem a contemplação do luar, a contemplação da lua cheia perfeita na sua luz refratária.
E, nos caminhos da noite, a vida aparece translúcida.
Ao luar.
J M – 06.01.2017
Ao longe os barcos
navegam indecisos
e instáveis
pela maresia salgada
e encrespada;
vacilam na linha do horizonte
sulcando pelas águas agitadas
e pela tempestade
negra e espessa
derramando raios e coriscos
sobre o cume oscilante
do planalto marítimo.
Assim as emoções
vagueiam intempestivas
pela maresia do coração.
J M - 05.01.2017