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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Nojo

Abrir, lavrar o coração

patenteá-lo veia a veia

e mostrar a todos que a razão

essa louca, é quase sempre feia.

 

Gritar ao mundo as loucuras

da sociedade ingrata e injusta

fechando-se a todas as ternuras

desprezando tudo o que custa.

 

Dizer ao mundo o meu nojo

p’lo ódio, opressão, violência

bonecos articulados com merda no bojo

mas se dizem senhores da ciência.

 

J M - 17.01.2017

Utopia

pomba.jpg

 

Quando as pombas forem livres como as andorinhas,

quando às águias não invejarem as louvaminhas;

 

os leões pastarem junto com as ovelhas

e as espadas se transformarem em relhas;

 

quando os homens destruírem as cadeias,

e forem capaz de eliminar ruins ideias;

 

quando tudo isto suceder

            e o homem fizer o bem acontecer

o reinado do amor começará

           e qualquer profecia se cumprirá.

 

J M - 16.01.2017

Raiva absurda

Apetece-me morder o chão das palavras,

rasgar-lhe as veias;

vê-las tremer de agonia

prostradas aos pés de mim.

 

Voar no espaço com elas,

percorrer o tempo eterno,

gemer na hora incerta

e gastar até ao âmago

o inegastável segundo.

 

J M – 13.01.2017

Largo

monumento a augusto gil.jpg

[Foto de Carlos Adaixo]

 

Tudo se resolveu partir naquela tarde.

 

O Largo ficou triste, solitário e temeroso.

No silêncio ouvia-se um respirar afogueado

revolvendo-se num pavor misterioso.

 

Ergueu-se, de repente, um grito vermelho

(o silêncio fugiu branco e veloz)

inerte, inócuo e pervertido,

grito de loucura de um mundo a sós.

 

J M – 12.01.2017

Aventureiros

Marujos do mar com fim

dobrando Bojadores e Tormentas

colhendo flores exóticas

para além do irracional.

 

Marujos do mar sem medo

enfrentando a solidão

de Mostrengos e Adamastores

navegando através da ilusão.

 

Deixam tudo e, à deriva,

p’las ondas salgadas avançam

arriscando a Primavera

dos jovens anos em botão.

 

J M – 11.01.2017

As lâminas do tempo

As lâminas do tempo

rasgam a saudade líquida

do passado

 

afiadas entram na pele da memória

e revivem-nos os rostos

daqueles que amamos e partiram

 

ficam os farrapos das lágrimas

à flor da memória-saudade

assomando às janelas da alma

 

mas o presente é nosso

e nessas lâminas agudas

construímos o futuro do coração.

 

J M – 10.01.2017

Mater / mãe

mãe..jpeg

 

Dizer terra, fecundação, carinho, ...

Dizer ovo, madre, coração, ...

Dizer sémen, cuidado, marinho, ...

Dizer chuva, amor, paixão, ...

 

Dizer força, prazer, embrião, ...

Dizer húmus, maia, afecto, ...

Dizer coragem, arte, criação, ...

Dizer seio, úbere, tecto, ...

 

Dizer terra, femina, mulher

Dizer tudo e o princípio também

Dizer aquilo a que mais se quer

É dizer, simplesmente, MÃE!

 

(JM)

 

[Seriam 102 - sempre!]

Não

Não façam chorar as crianças.

 

Deixem florir as rosas,

não lhe esmaguem as pétalas.

 

Não esmaguem as pétalas às rosas

que as crianças precisam de florir!

 

J M – 08.01.2017

Pedaços

lua6.jpg

 

 

De espaços se faz a vida. E de tempos.

Razões forçosas originam a ausência.

Horas promovem a separação.

Emergentes emoções lívidas caminham abstratas e ingratas pelas vielas travessas da cidade-velha.

Angústias pardas velam o tempo de existir para além de nós.

Árduas tarefas excluem a contemplação do luar, a contemplação da lua cheia perfeita na sua luz refratária.

E, nos caminhos da noite, a vida aparece translúcida.

Ao luar.

 

J M – 06.01.2017

Ao longe os barcos

Ao longe os barcos

navegam indecisos

e instáveis

pela maresia salgada

e encrespada;

vacilam na linha do horizonte

sulcando pelas águas agitadas

e pela tempestade

negra e espessa

derramando raios e coriscos

sobre o cume oscilante

do planalto marítimo.

 

Assim as emoções

vagueiam intempestivas

pela maresia do coração.

 

J M - 05.01.2017