Como gotas de ouro transparente
as lágrimas caem dos meus olhos:
uma após outra e outra ainda.
Em cada uma delas há mil recordações
um rosto e uma saudade!
Caprichosamente juntas formam uma vida
uma desilusão, um amor … perdido.
A chuva intensa bate furiosamente nos vidros
e as lágrimas do meu rosário sem fim
caem lenta e silenciosamente
na folha branca da escrita.
(De tudo apenas resta
uma mancha indistinta.
Do teu rosto também apenas resta
uma mancha na minha imaginação.)
J M
(Recuperado do fundo da gaveta)
Há perfumes matutinos
no ar fresco da manhã
há chilreios e há trinos
na voz dos passarinhos
bela, alegre e louçã.
Traz gravada, lá no fundo,
a beleza de dias de primavera,
os sonhos de um sono profundo
com alguns desejos imersos
no começo de uma nova era.
Lancei as palavras ao papel
num sentido horizontal
mas ficou desorganizado
o texto piramidal.
A montanha pariu um rato,
as palavras ficaram soltas,
o sentido nem apareceu
nas folhas das árvores revoltas.
Acariciei a semântica,
sobraram erros de sintaxe,
das orações confundidas
fugiu inclusive a “praxe”.
Já figurinhas de estilo
nem cheirá-las, nem vê-las.
Pobrezinho do escriba!
E sonhava ele estrelas!
J M
Há nos teus olhos um mar de ternura
que esparges sobre mim
em cada hora que o dia nos traz;
As suas ondas submergem-me
num banho louco de magias e consolações
e as marés, alternando,
enlanguescem-me,
levando-me para mundos irreais,
para sonhos encantadores e magos
onde os teus se irmanam aos meus.
Aí, tudo desaba em turbilhões
e voamos por mundos feéricos
de luz e de cor
em aventuras paranoicas
de paixões e desvelos,
amores e devaneios,
impossíveis, inenarráveis.
As histórias que os teus olhos me contam!
J M
O tempo foge-me inutilmente,
Escoa-se. Escorre. Gasta-se.
Deixá-lo …
Engana-se, pensando que me leva
na voragem contínua dos instantes!
Puro engano!...
Sou quem sou.
Vivo cada instante
como se fosse o próximo,
como se fosse o último.
Mas … o tempo é todo meu.
J M
A noite ri pálida e transparente
por trás de uma vidraça de loucuras
onde os anjos brincam de crianças
e os homens de tristezas e venturas.
O lume das estrelas cai oblíquo
na praça das canções por inventar
e, nas ruas da cidade, o orvalho
escorre entre as gotas do luar.
O sonho das crianças surge ingente
no ar límpido da madrugada
e sente-se pairar um quase-tudo
onde a noite nasce já realizada.
Um novo dia, nova primavera,
aprimora-se forte no alvorecer
e se as promessas não forem vãs
o mundo vai voltar a amanhecer.
J M
* esperança
“ - É simples, é bela, é pura,
é a mais santa criatura
que entrou na minha vida.
Ela é a minha loucura,
na dor e na ventura
é-me igualmente querida.”
“ – Quem é ? – quiseste saber,
mas eu não quis dizer
porque é só meu o segredo.
“ – É trigueira, é morena?”
“ – Não, não é!” “ – Pois é pena,
- respondeste quase a medo –
porque se fosse morena
ou da cor da açucena
seria muito melhor.”
“ – Não te dê isso cuidado. –
respondi – pois, com ela ao lado,
fica-se moreno de amor.”
J M
(brincadeiras do passado)
Momentos críticos, horas amargas
há sempre na vida de qualquer ser,
mesmo quando nos ferem as ilhargas
precisamos ter força para vencer.
Homens, mulheres – que importa? – pessoas
(bem no fundo somos todos iguais!)
umas vezes más, outras vezes boas,
umas vezes simpáticas, outras infernais.
Encara de frente a vida. Ergue-te! Luta!
Sê forte, animoso e terás a vitória …
Dos tristes e fracos não reza a história!
E, se no mais aceso da disputa,
fraquejar, vacilando, tua conduta,
continua, persiste e verás a glória!
J M
Em Eugénio
vi as planícies imensas,
as fileiras de mulheres de negro vestidas,
a lama repleta de clássica beleza,
a poesia vestida de luz e de certeza.
De Eugénio
revisitei as mãos envoltas em frutos,
os silêncios desembocados na foz dos afluentes,
os dinheiros que os amantes não tinham,
o rosto precário de uma prosa poética,
e o ostinato rigore dos seus versos.
Com Eugénio
ainda vou da Póvoa até à Foz,
ainda faço da palavra o meu lema,
ainda ouço a sua límpida e clara voz,
ainda me renovo no fabuloso do poema.
J. M.
Aponta a hora final,
O horizonte oblíquo da vida;
Raiando surge a manhã
Acima da matéria definida.
Os limites são de espaço concreto
Na imaginação oca de sentido
E as partes loucas de nós
Trazem a ilusão de um ócio vivido.
Criação de mim para mim
Parte integrante de nós,
Sublimites de um rio sem foz
Abstração de meta sem fim.
Loucura … onde existe?
Sai às vezes, por engano, um chiste
De inteligência baça e banal
E nas folhas das flores dos fenos
Passa voando o vento veloz.
Dispersos na pressa louçã
Corremos cortando a vida
Suportamos o sussurro nas sebes
E a amargura mágica da manhã.
…………………………..
Magia esfarrapada no sol
Do dia que a meio vai
Borboleta morta no arrebol
Que no chão desfeita cai.
J M