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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Crepusculares

Caía o sol sobre o poente

roubando a luz à natureza

formava-se uma paisagem diferente

desfazia-se a natural singeleza.

 

As aves regressavam aos seus lares

As pessoas recolhiam aos seus ninhos

as aves gorjeavam aos pares

as pessoas refaziam seus caminhos.

 

A noite cobrindo tudo de escuro pranto

acolhia anseios adiados, eminentes …

Nalguns lares ouvia-se sentido pranto

 

Noutros ciciavam-se preces de crentes

noutros ainda em recônditos e escusos cantos

saciavam-se desejos inadiáveis, prementes.

 

De que memórias se faz a saudade!

De que lembranças se constrói nossa vida!

 

O que o tempo nos acrescenta com a idade

vai roubando aos sentimentos. Perdida

a inocência inicial da ingenuidade.

 

J M

Torga

Espaço agreste e rude

do ser e da montanha,

o teu poema amanha

e transborda como açude

da TORGA agora colhida:

razão esperança, luz, vida!

 

J M

Se ...

Se me desses um raio de luar

esplêndido, claro, cristalino,

saberia o que poderia esperar

do teu brilho leve, diamantino;

 

se ao menos uma palavra ouvisse

dos teus lábios de coral tão fino

saberia que sempre que te visse

ouviria o grave som do violino;

 

se das tuas mãos um toque suave

sentisse brevemente, de passagem,

como um harmonioso voo de ave

trazido, subitamente, pela aragem;

 

e, se tu viesses, bela e radiante,

ter comigo em todo o teu esplendor,

então, mudado em feliz amante,

consagrar-te-ia um sincero amor.

 

J M

Tu

Eu que tenho o mar das palavras,

escritas ou faladas tanto faz,

só quero a terra que tu lavras

para nela semear branca paz.

 

E assim retribuir-te o carinho

que me dedicas constantemente

quando alisas áspero caminho

e me ajudas explicitamente.

 

Às vezes os escolhos são enormes

e é preciso haver comunicação;

sentinela serei enquanto dormes

e regarei a flor da comunhão.

 

J. M.

Lendo Cesário

Ela passa "aromática e normal"

diz Cesário em "Deslumbramentos":

só pode ser ela, a magnífica, a tal

que traz ao poeta milhares de tormentos!

 

Ela é a cidade destruidora

que obsidia o poeta e o prende

mas é também a dominadora

a quem masoquisticamente se rende!

 

E lá está ainda o café devasso

e a actriz em ligeiros pés de cabra

por detrás de um vidro ténue e baço

à espera que a porta se lhe abra.

 

JM

Outono

Chegou:

Via-se nas gotículas do nevoeiro,

- finas farpas ferindo a pele

com o frio matinal;

também o vento, sorrateiro,

sacudia algumas folhas cor de mel

que tombavam no chão, afinal;

mesmo os teus olhos afanosos

que faiscavam nos outros dias

hoje estavam incertos.

 

Ah! outono dos saudosos!

voltaste com tuas fantasias

sonhadas de olhos abertos!

 

J M 22.09.2016