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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

...

PEDAGOGIA

Brinca enquanto souberes!
Tudo o que é bom e belo
se desaprende...
A vida compra e vende
a perdição.
Alheado e feliz,
brinca no mundo da imaginação,
que nenhum outro mundo contradiz!
Brinca instintivamente
como um bicho!
Fura os olhos do tempo,
e à volta do seu pasmo alvar
de cabra-cega tonta,
a saltar e a correr,
desafronta
o adulto que hás-de ser!

 

Miguel Torga, em “Diário IX”

 

Teia(s)

Espanto-me com o mundo

imundo

que nos rodeia

e nos enreda na teia

da desumana tecnologia

e na barbárie da morte

imposta pela lei do mais forte.

 

Prefiro antes olhar a nobreza

que brota da alma

e nos dá a calma

de saber

que a vida é um milagre de beleza

e aprender …

 

Mas … Que vale o homem hoje em dia?

Um simples vírus ou uma bala

destrói, inquieta, abala

a segurança e a alegria.

 

Como manter forte a vontade?

Como manter a fé na humanidade?

 

14.01.2015

J M

...

Espero-te sentado
nos últimos raios de sol que beijam
os teus cabelos sedutoramente
e me atraem os desejos
desabridamente.

 

Vens, sentas-te a meu lado
e as tuas mãos estreitam
as minhas insidiosamente
e trocam sensações e beijos
distraidamente.

 

E o sol esconde-se indisposto
atrás da linha do horizonte.
Rouba-me a luz do teu rosto
mas ficam-me os raios da tua fronte.

 

12.01.2015
J M

Rio da vida (1915 - 2012)

mae 1.jpg

 

Foi num dia assim de um janeiro distante
que o rio da tua vida brotou.
Da frieza circunstante
apareceu
cresceu
e mais tarde desaguou
noutros cinco rios mais
que hoje te continuam e recordam.

 

Sem hesitação – houve vários sinais –
unanimemente concordam
que a tua água foi luz
para seus periclitantes cursos.
Amparaste os seus percursos,
aliviaste a sua cruz,
e deste-lhes a vida também.

 

Obrigado, mãe!

 

09.01.2015
J M

Hipótese

Sim, às vezes, quando a palavra me parece
dominada
solta-se num movimento instintivo
de rebeldia
e lá se vai a hipótese do poema.

 

Quantas voltas à procura do tema
e nada!
(Sentir que se está vivo
e usufruir a alegria
de precisar de uma prece!)

 

Mas a palavra, ave desassossegada,
voa livre à procura de um pouso.
Paro um pouco, penso e então ouso:
desenho-a no ar e ela admirada
senta-se no verso em repouso.

 

06.01.2015
J M

Poema

Um poema é vida: avança
sem medo
e em cada penedo
de serra temerosa e altaneira
encontra a esperança
do recomeço.

 

E ao chegar ao cume do cabeço
(obstáculo transformado em verso)
a bonança prometida
em cada vale apazigua,
dos sentidos, a ansiedade.

 

Porém, renovado o desejo,
como quem recebe um amoroso beijo,
a profusão de uma estrofe
constrói-se dia a dia
na chama da palavra escolhida.

 

Feita a selecção
e escrito verso a verso
o poema retrata a perfeição
da imperfeição humana seu reverso.

 

04.01.2015
J M

Sinais

Subi à cidade à procura de calor
mas gelou-me o frio das pessoas.
Encontrei-o apenas nalguns cães
vadios e nas pedras cobertas de geada.

 

Subi à cidade à procura de amor
mas só vi criaturas más; as boas
emigraram para o colo das mães
que fugiram da guerra nunca parada.

 

Olhei à volta e só descobri carinho
nos gorjeios ternos duns pardais
voejando ladinos no jardim central.

 

Procurei retomar o meu caminho
e descobri esperançosos sinais:
beijos de criança em rosto maternal.

02.01.2014
J. M.