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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Se alguém disser - Vasco Gato

se alguém disser que morri, avança até à varanda do céu,
escuta a noite e recolhe o  meu corpo da espuma dos planetas.
não deixes que o meu rosto se dissolva nas tuas mãos,
insiste no meu nome até que o mar ascenda à tua boca.
e de luar em luar celebra o coração que fiz teu, mudamente,
como se o amor fosse sobreviver às veias paradas de sangue.

 

Vasco Gato, «Um Mover de Mão»

Invasão / evasão

Deixei a saudade invadir-me as ruas.

 

Havia vento forte e as rajadas
Traziam com elas gotas de amor
Arrebatadas
Às tranças de uma tempestade
Cujos sentimentos eram o espelho da dor
Da sonolenta e ávida cidade.

 

Caminhei sem destino
Pelas veredas da emoção
E perdido nos meandros do coração
Dei por mim lacrimejando, o destino
Foi madrasto e arrebatou-me
Aquela doce sensação
De te amar. Secou-me!

 

A chuva fria e arrepiante
Destes outonos conturbados
Pôs-me a realidade diante
Dos olhos e marejados
Impediram-me a visão
Dessa rua invadida pela saudade.

 

Caminharei só em plena cidade?
A quem “cantarei de amor tão docemente”?

 

Abandono a tua imagem à minha mente
E esperarei lutando com tenacidade …

 

 

20.10.2014
J M

Padre Alberto Neto

Foto

 

Hoje um canal de televisão recordou a morte misteriosa deste grande homem que viveu sempre intensamente. Tive o privilégio de o conhecer em Belas onde de cada missa fazia uma festa de alegria, celebração da vida e da fé. Hoje que a Igreja canonizou o Papa do Concílio Vaticano foi oportuna esta recordação, pois o P.e Alberto, nas palavras do cónego Janela, «Foi um homem que viveu intensamente o espírito evangélico e profético» do Concílio Vaticano II (1962-1965), «ele que tinha sido formado numa teologia pré-conciliar. Sabia que pisava um terreno minado mas o padre Alberto era um homem corajoso. Sofreu as consequências de não se ter refugiado na comodidade do clérigo que faz o seu serviço e ponto final. Arriscou e pagou com a própria vida».». O Padre Alberto foi um testemunho vivo de Cristo dos pobres: tudo o que tinha dava a quem precisava.

Era natural do Souto da Casa, concelho do Fundão.

*Fica a ligação para uma homília proferida na capela do Rato em 73 e que está actualíssima. Parece do Papa Francisco.

M. A. Pina

A um Jovem Poeta
 
Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser

que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças

como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.

Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.

Manuel António Pina, in "Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança"

MÃE

Palavras para a Minha Mãe

 

mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses 
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz. 
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente. 

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste 
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te 
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente. 

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo, 
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia 
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz. 

lê isto: mãe, amo-te. 

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não 
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que 
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não 
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes. 

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

Quero

 

Quero


Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
Voltar.
E sentar-me um instante
Na beira da janela contra os astros
E olhando para dentro contemplar-te,
Tu dormindo antes de jamais teres acordado,
Tu como um rio adormecido e doce
Seguindo a voz do vento e a voz do mar
Subindo as escadas que sobem pelo ar.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen,  "Coral"