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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Nascer ...

Ser o poema!

 

Entrar no espírito das palavras

rasgar os ínvios sentidos

inalar o vento da inspiração

oferecer o corpo às estrelas

e ... adormecer na realidade.

 

Acordar suavemente

na manhã das estrofes

percorrer as avenidas dos versos

subir a escada até ao supremo

e exacto instante do sangue

a invadir a seiva das rimas.

 

Depois libertar as amarras da gramática

e voar com as palavras

lua, sol, paixão, vida,

raiva, desejo, absolvição, ...

e ser. Ser o poema

antes de nascer ...

 

Prenúncio,

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..............

Aparição!

 

26.09.14

JM

Lídia

Cara Lídia, deixemos o Ricardo em paz

e sejamos reis de nós mesmos a par!

 

Que importa a distância se o que faz

o sentimento é a alegria de estar?

 

Que o Ricardo filosofe e siga

a sua filosofia estoico-epicurista!

 

Nós enlacemos as mãos na espiga

do trigo e amemo-nos à vista.

 

Façamos só nosso cada momento

que o amor constrói o pensamento.

 

 

 

25.09.2014

J M

O Teu Riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso, e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

Perto do mar no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
curvas da ilha,
ri-te deste rapaz
desajeitado que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando os meus passos se forem,
quando os meus passos voltarem,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas o teu riso nunca
porque sem ele morreria.

Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda

Aparição

 

«Fecho o álbum, acendo um cigarro. Para lá da janela atinjo a linha azul do horizonte que se desvanece na tarde. Penso, penso. Não, não penso: procuro. Outra vez, outra vez. Não, não quero «saber», sei já há tanto tempo... Mas nenhum saber conserva a força que estala no que é aparição. Porque o escrevo de novo? A verdade é que nada mais me importa. E, todavia, um estranho absurdo me ameaça: quero saber, ter, e uma aparição não se tem, porque não seria aparecer, seria estar, seria petrificar-se. Queria que a evidência me ficasse fulminante, aguda, com a sua sufocação, e aí, na angústia, eu criasse a minha vida, a reformasse. Mas uma reforma, uma regulamentação é já do lado de fora. Quem é fiel a uma certeza e a pode «ver» quando lhe apetece? A fidelidade é então só teimosia ou cedência à parte convencional da «nobreza de carácter», da «honradez». Não é isso, não é isso que eu quero. Em que iluminação eu acredito quando falo em nome dela e a imponho a Ana, aos outros? Falo de cor - a iluminação é então a minha noite de secura. Por isso, quando ela volta, eu me abro à sua devassa, à acidez da sua presença. Por isso eu recebo ainda agora e falo dela e me aqueço e queimo ao seu lume. Não escrevo para ninguém, talvez, talvez: e escreverei sequer para mim? O que me arrasta ao longo destas noites, que, tal como esse outrora de que falo, se aquietam já em deserto, o que me excita a escrever é o desejo de me esclarecer na posse disto que conto, o desejo de perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim, revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu.»

 

Vergílio Ferreira, "Aparição"

Dóris Graça Dias

 


'Apaixonamo-nos pelas pessoas, quando as escutamos. Amamo-las. E só deixamos de as desejar quando deixamos de as ouvir. Com as casas passa-se o mesmo. Depois fica apenas uma ténue lembrança. Grata. Porque cheia de memórias.

Permitam-me que insista. As casas são como as pessoas. Porque também haveremos de amá-las mais quando elas deixarem de nos ser. Quando as perdermos. E, então, das duas uma: ou haveremos de desejá-las em ruínas, ou haveremos de desejar a nossa morte. Ou as duas. Depois, não teremos coragem nem para uma coisa nem para outra. Guardaremos essa mágoa. Sobreviveremos.'

 

Dóris Graça Dias,
in As Casas

Numa disciplina - Sophia

 

Numa disciplina constante procuro a lei da liberdade
medindo o equilíbrio dos meus passos.

 

Mas as coisas têm máscaras e véus com que me enganam,
e, quando eu um momento espantada me esqueço, a força
perversa das coisas ata-me os braços e atira-me,
prisioneira de ninguém mas só de laços, para o vazio
horror das voltas do caminho.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, do livro "Coral"