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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

O VENTO


O vento sopra contra
As janelas fechadas

Na planície imensa
Na planície absorta
Na planície que está morta,

E os cabelos do ar ondulam loucos
Tão compridos que dão a volta ao mundo.

Sento-me ao lado das coisas
E bordo toda a noite a minha vida

Aqueles dias tecidos
Que tinham um ar de fantasia
Quando vieram brincar dentro de mim.

E o vento contra as janelas
Faz-me pensar que eu talvez seja um pássaro.

 

 

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in CORAL

QUEM ÉS TU



Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?

A perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.

A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.

 

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in OBRA POÉTICA

O SILÊNCIO E A PALAVRA


Tu és o silêncio,
Eu a palavra,
Mãos que se trocam
De encontro ao rosto
Porque tudo é breve.

Não sei o nome da tua tribo
Mas deixei-te entrar
No meu abraço,
Contra todas as leis,
Mesmo a do bom senso.

Se amanhã fores,
Se tiveres de ir,
Não demores a partida.
Pega na minha mão estendida
E leva-me
Para onde eu possa esquecer o meu nome.

 

ANA BRILHA, in A APOLOGIA DO SILÊNCIO (ed. da Autora, 2012)

POEMA MELANCÓLICO A NÃO SEI QUE MULHER

 

Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.

 

Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...

 

Miguel Torga

Sou suspeito

 

Olho o horizonte poente

e a lua crescente

de repente

traz-me o aroma veraneante

dos castanheiros e das tílias em flor

o cheiro estonteante

de tempos de calor.

 

Sou suspeito de te lembrar

de recordar

aqueles momentos cheios

de breves enleios

dos primeiros amores.

Da suave sensação

de ter perto o coração

enfeitado de odores

da tua pele em ebulição.

 

Hoje só os mágicos cabelos

de um leve sol poente

me trazem esses passados anelos

de sensações em crescente.

Hoje nas memórias dos dias

regressam intensas alegrias

que dão sentido à vida

por viver ou já vivida.

 

06.07.14

JM

Há mulheres

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes


Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma

 

Sophia, Obra Poética