A música diverge harmoniosa
e espalha-me na alma
a doçura da leve calma
que a melodia
do quente dia
deixa no ar, quase silenciosa.
E deixo-me embalar pelos sons,
bemóis e fás sustenidos
raros, sonoros, plangentes
da vida feita música e dons
abafados pelos ténues gemidos
dos ventos lentos e dolentes.
E o sono e o sonho interligados
acasalam em perfeita sintonia
como a noite segue o dia
como se amam dois bem casados
na suave, leve e breve composição
que o fio do amor tece no coração.
E o som dos sentidos na alma tanjo
em harmonias doces e musicais
e embalo-me nos braços de um anjo
em delícias belas e celestiais.
19.02.2014
JM
O meu mundo está em silêncio imerso,
vive na secção do solitário criativo,
entrega-se a um pensamento disperso
e depois finge apenas estar vivo.
Há, porém, o intenso nevoeiro existencial
sem ideias sólidas e afirmativas
onde se sonha o quimérico, o irreal
e se escondem as palavras positivas.
Mas, afinal, em doce e produtiva letargia,
despertam lentamente novos ideais
e assim se doma a perversa melancolia
renovando a vida que pede sempre mais.
17.02.2014
JM
*esperança
O tempo é destruidor,
rói lentamente a alma
e com tão manhosa calma
duma pérfida maneira
que nem sentimos a dor
de tal modo é sorrateira.
O tempo é tão corrosivo
passa tão silenciosamente
minando paulatinamente
o âmago do coração
que parece um abrasivo
provocando destruição.
E assim se vai morrendo
cada dia um pouco mais
sem darmos pelos sinais
que a vida vai enviando.
Tudo se anda perdendo.
A quem demos o comando?
10.02.2014
JM
Fiquei doido, fiquei tonto...
Meus beijos foram sem conto,
Apertei-a contra mim,
Aconcheguei-a em meus braços,
Embriaguei-me de abraços...
Fiquei tonto e foi assim...
Sua boca sabe a flores,
Bonequinha, meus amores,
Minha boneca que tem
Bracinhos para enlaçar-me,
E tantos beijos p'ra dar-me
Quantos eu lhe dou também.
Ah que tontura e que fogo!
Se estou perto dela, é logo
Uma pressa em meu olhar,
Uma música em minha alma,
Perdida de toda a calma,
E eu sem a querer achar.
Dá-me beijos, dá-me tantos
Que, enleado nos teus encantos,
Preso nos abraços teus,
Eu não sinta a própria vida,
Nem minha alma, ave perdida
No azul-amor dos teus céus.
Não descanso, não projecto
Nada certo, sempre inquieto
Quando te não beijo, amor,
Por te beijar, e se beijo
Por não me encher o desejo
Nem o meu beijo melhor.
Fernando Pessoa.
Este vento agreste de temporais
que buzina no lá fora continuamente
traz-me as lembranças invernais
bruscas e frias de antigamente.
As alegrias despreocupadas da infância
em manhãs com o quente da lareira
ou os contos nocturnos de errância
na voz paternal lesta e prazenteira.
Mas sempre, lá, nas frinchas do sobrado
assobiava desafiador e persistente
o vento sudoeste intenso e redobrado.
Terá por acaso algum assunto pendente?
04.02.2014
JM
Ao ouvido chega-me o som da serra
e os aromas das nuvens
da tua pele suave
impregnam-se-me nos dedos
O cheiro húmido da terra
a indecisão se vais ou se vens
ou um simples voo de ave
levando para longe os medos
O desejo que a noite esconde
e se desvela aos poucos nos sentidos
arrebata a razão que fica onde
não está a paixão: só gostos desmedidos!
01.02.2014
JM