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Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Anjo

A música diverge harmoniosa

e espalha-me na alma

a doçura da leve calma

que a melodia

do quente dia

deixa no ar, quase silenciosa.

 

E deixo-me embalar pelos sons,

bemóis e fás sustenidos

raros, sonoros, plangentes

da vida feita música e dons

abafados pelos ténues gemidos

dos ventos lentos e dolentes.

 

E o sono e o sonho interligados

acasalam em perfeita sintonia

como a noite segue o dia

como se amam dois bem casados

na suave, leve e breve composição

que o fio do amor tece  no coração.

 

E o som dos sentidos na alma tanjo

em harmonias doces e musicais

e embalo-me nos braços de um anjo

em delícias belas e celestiais.

 

19.02.2014

JM

Spes*

O meu mundo está em silêncio imerso,

vive na secção do solitário criativo,

entrega-se a um pensamento disperso

e depois finge apenas estar vivo.

 

Há, porém, o intenso nevoeiro existencial

sem ideias sólidas e afirmativas

onde se sonha o quimérico, o irreal

e se escondem as palavras positivas.

 

Mas, afinal, em doce e produtiva letargia,

despertam lentamente novos ideais

e assim se doma a perversa melancolia

renovando a vida que pede sempre mais.

 

17.02.2014

JM

 

*esperança

O tempo

O tempo é destruidor,

rói lentamente a alma

e com tão manhosa calma

duma pérfida maneira

que nem sentimos a dor

de tal modo é sorrateira.

 

O tempo é tão corrosivo

passa tão silenciosamente

minando paulatinamente

o âmago do coração

que parece um abrasivo

provocando destruição.

 

E assim se vai morrendo

cada dia um pouco mais

sem darmos pelos sinais

que a vida vai enviando.

Tudo se anda perdendo.

A quem demos o comando?

 

10.02.2014

JM

Fiquei doido, fiquei tonto…

 

Fiquei doido, fiquei tonto...

Meus beijos foram sem conto,

Apertei-a contra mim,

Aconcheguei-a em meus braços,

Embriaguei-me de abraços...

 

Fiquei tonto e foi assim...

Sua boca sabe a flores,

Bonequinha, meus amores,

Minha boneca que tem

Bracinhos para enlaçar-me,

 

E tantos beijos p'ra dar-me

Quantos eu lhe dou também.

Ah que tontura e que fogo!

Se estou perto dela, é logo

Uma pressa em meu olhar,

 

Uma música em minha alma,

Perdida de toda a calma,

E eu sem a querer achar.

Dá-me beijos, dá-me tantos

Que, enleado nos teus encantos,

 

Preso nos abraços teus,

Eu não sinta a própria vida,

Nem minha alma, ave perdida

No azul-amor dos teus céus.

Não descanso, não projecto

 

Nada certo, sempre inquieto

Quando te não beijo, amor,

Por te beijar, e se beijo

Por não me encher o desejo

Nem o meu beijo melhor.

 

Fernando Pessoa.

Vento ...

Este vento agreste de temporais

que buzina no lá fora continuamente

traz-me as lembranças invernais

bruscas e frias de antigamente.

 

As alegrias despreocupadas da infância

em manhãs com o quente da lareira

ou os contos nocturnos de errância

na voz paternal lesta e prazenteira.

 

Mas sempre, lá, nas frinchas do sobrado

assobiava desafiador e persistente

o vento sudoeste intenso e redobrado.

Terá por acaso algum assunto pendente?

 

04.02.2014

JM

...

Ao ouvido chega-me o som da serra

e os aromas das nuvens

da tua pele suave

impregnam-se-me nos dedos

 

O cheiro húmido da terra

a indecisão se vais ou se vens

ou um simples voo de ave

levando para longe os medos

 

O desejo que a noite esconde

e se desvela aos poucos nos sentidos

arrebata a razão que fica onde

não está a paixão: só gostos desmedidos!

 

01.02.2014

JM