Que nome dar ao poeta esse ser dos espantos medonhos? um só encontro próprio e justo: o de José o homem dos sonhos
Eu canto os pássaros e as árvores Mas uns e outros nos versos ponho-os Quem é que canta sem condição? É José o homem dos sonhos
Deus põe e o homem dispõe E aquele que ao longo da vereda vem homem sem pai e sem mãe homem a quem a própria dor não dói bíblico no nome e a comer medronhos só pode ser José o homem dos sonhos
Que desgraça, meu Deus! Tenho a Ilíada aberta à minha frente, Tenho a memória cheia de poemas, Tenho os versos que fiz, E todo o santo dia me rasguei À procura não sei De que palavra, síntese ou imagem! Desço dentro de mim, olho a paisagem, Analiso o que sou, penso o que vejo, E sempre o mesmo trágico desejo De dar outra expressão ao que foi dito! Sempre a mesma vontade de gritar, Embora de antemão a duvidar Da exactidão e força desse grito. Mudo, mesmo se falo, e mudo ainda Na voz dos outros, todo eu me afogo Neste mar de silêncio, íntima noite Sem madrugada. Silêncio de criança que ficasse Toda a vida criança, E nunca conseguisse semelhança Entre o pavor e o pranto que chorasse.
Volto ao anjo da Guarda: anjo prodigioso das terras altas e frias. pássaro baptismal com a substância múltipla da luz. O iluminar das serras é tarefa árdua porque os brilhos doem como insultos latinos. Pior que isso, e o anjo sabe-o, é ser um artista que devora a própria obra, quando a arte é combustível e o nome é uma espécie de rapaz feminino, alguma coisa que, estando a ser, já não o é. É o que Deus não diz do anjo, o que estabelece em nós, enquanto nervo dos sítios, floração de luz dos mínimos seixos. Já vem o anjo, da Guarda, pelo rosto de cada um de nós, facilitando o que se faz às escondidas, à procura de conferir o que aprendemos. Acendo a luz sobre esta obscuridade. Amo o anjo, e amo-me a mim. Só tu não fazes parte desta história.
Ó mãe, regressa a mim. Embala-me no tempo em que os teus lábios rebentavam de ternura. Ó mãe, ó minha mãe, ó rio de água pura, correndo pelas veias. Pelo vento. Ó mãe, que és mãe de Deus, que és mãe de mim e mãe de Antero e de Camões, e mãe de quem lhe faltam as palavras como se faltasse o ar. E são assim uma espécie de filhos de ninguém. Abre o teu ventre, mãe. Acorda. Vem parir-me. E vem sofrer a minha dor uma vez mais. Morrer de amor por mim. Vem impedir-me o medo. Ensinar-me a amar a luz dos animais. Ó mãe, ó minha mãe. Ó pátria. Ó minha pena. Que me pariste, assim, temperamental. Mãe de Ulisses, de Guevara e mãe de Helena. E mãe da minha dor universal.
avisam-te do frio que aí vem fecha-te em casa foge ao frio e à memória do frio da neve do gelo acende a lareira queima os galhos do castanheiro do avô enrola-te no velho cobertor de papa e fica aí parado querem-te assim quieto paralisado pelo calor corpo indolente dormente não saias à rua não vás escorregar por acaso no que resta de ti!