Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

Ar da Guarda

"Livre não sou, mas quero a liberdade. Trago-a dentro de mim como um destino." Miguel Torga

...

Estas tardes de verão

abafadas, 

onde não apenas os lagartos

amodorram

à soalheira

da torreira,

 

arrastam a lenta ilusão 

de que a frescura

virá no sabor de um gelado

degustado

junto a ti, terra outonal,

(lá para setembro

se bem me lembro!)

quando os partos

da mãe natureza

derem seus frutos de beleza

pós-estival.

 

Por enquanto

a brisa levíssima,

calidíssima,

a passar sorrateira

na rama da palmeira,

sussurra o seu canto

e dormita 

pouco expedita

embalada na calmia vespertina

da sesta

- e esta

só pode ser pequenina,  ... ina, ... ina!

 

J. Monteiro (26.06.2011)

Um Pouco Mais de Nós

Podes dar uma centelha de lua, 
um colar de pétalas breves 
ou um farrapo de nuvem; 
podes dar mais uma asa 
a quem tem sede de voar 
ou apenas o tesouro sem preço 
do teu tempo em qualquer lugar; 
podes dar o que és e o que sentes 
sem que te perguntem 
nome, sexo ou endereço; 
podes dar em suma, com emoção, 
tudo aquilo que, em silêncio, 
te segreda o coração; 
podes dar a rima sem rima 
de uma música só tua 
a quem sofre a miséria dos dias 
na noite sem tecto de uma rua; 
podes juntar o diamante da dádiva 
ao húmus de uma crença forte e antiga, 
sob a forma de poema ou de cantiga; 
podes ser o livro, o sonho, o ponteiro 
do relógio da vida sem atraso, 
e sendo tudo isso serás ainda mais, 
anónimo, pleno e livre, 
nau sempre aparelhada para deixar o cais, 
porque o que conta, vendo bem, 
é dar sempre um pouco mais, 
sem factura, sem fama, sem horário, 
que a máxima recompensa de quem dá 
é o júbilo de um gesto voluntário. 

E, afinal, tudo isso quanto vale ? 
Vale o nada que é tudo 
sempre que damos de nós 
o que, sendo acto amor, ganha voz 
e se torna eterno por ser único e total. 

José Jorge Letria

Sinestesia

Embarquei nas brisas da tarde

e aspirei os aromas vespertinos,

 

na calma, ternamente envolvente,

naveguei ao sabor dos destinos

 

e o olfacto, lentamente, sem alarde,

assumiu o verão quase presente.

 

Os sentidos engolfaram-se em roldão

envolvendo tudo em sinestesias 

 

e a pele aveludada da tua mão

trouxe-me à serra intensas maresias.

 

J. Monteiro (19.06.2011)

Sou uma folha de papel

Sou uma folha de papel 

onde a vida vai escrevendo

dias doces como o mel 

dias aziagos que não entendo

 

vivo ao sabor do tempo

na tensão do estar e do crer

escrevo-me a contratempo

sei o que sei sem o saber

 

trago na singela brancura

uma marca do ser que fui

e no rio da vida que não dura

sou a água que sempre flui

 

às vezes sinto-me inconstante

porque me oprime a breve idade

e se procuro a fruição do instante

encontro perene infelicidade

 

mas há dias em que o mundo

me dá felicidade e alegrias

e aí sim sinto cá bem no fundo

a beleza impante dos dias.

 

J. Monteiro (13.06.2011)

Fernando Pessoa / Alberto Caeiro

Vai alta no céu a lua da Primavera.

Penso em ti e dentro de mim estou completo.

 

Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.

Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz.


Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelo campo,

E eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores.

Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,

Pois quando vieres amanhã e andares comigo no campo a colher flores,

Isso será uma alegria e uma verdade para mim.

 

(Pastor amoroso)

Pág. 1/2