Non me posso pagar tanto do canto das aves nen de seu son, nen d'amor nen de ambiçom nen d'armas - ca ei espanto, por quanto mui perigo[o]sas son, - come dun bon galeon, que mi alongue muit' aginha deste demo da campinha,
u os alacraes son; ca dentro no coracon senti deles a espinha!
E juro par Deus lo santo que manto non tragerei nen granhon, nen terrei d'amor razon nen d'armas, por que quebranto e chanto ven delas toda sazon; mais tragerei un dormon, e irei pela marinha vendend' azeit' e farinha; e fugirei do pocon do alacran, ca eu non lhi sei outra meezinha.
Nen de lançar a tavolado pagado non soo, se Deus m'ampar aqui, nen de bafordar; e andar de noute armado, sen grado o faço, e a roldar; ca mais me pago do mar que de seer cavaleiro; ca eu foi ja marinheiro e quero-m' oimais guardar do alacran, e tornar ao que me foi primeiro.
direi-vos un recado: pecado nunca me pod' enganar que me faça ja falar en armas, ca non m'e dado (doado m'e de as eu razoar, pois-las non ei a provar); ante quer' andar sinlheiro e ir como mercadeiro algua terra buscar, u me non possan culpar alacran negro nem veiro.
D. Afonso X, rei de Castela e Leon
Aqui deixo a "tradução" da Dr.a Elsa Gonçalves:
I. Não posso agradar-me tanto do canto das aves, nem da sua melodia, nem do amor, nem da ambição, nem das armas — pois me causam pavor, porquanto são muito perigosas — como me agrado de um bom galeão que me leve muito depressa para bem longe deste demónio de campina onde há lacraus, pois dentro do coração senti a sua ferroada.
II. E juro por Deus santo que não levarei manto, nem barba, nem me ocuparei do amor, nem das armas — pois delas vem sempre quebranto e pranto — mas levarei um bergantim e irei pela beira-mar, vendendo azeite e farinha, e fugirei do veneno do lacrau, pois não conheço outro remédio contra ele.
III. Nem me agrada o jogo do tavolado, assim Deus me ajude, nem do bafordo, e se ando de noite armado ou a rondar, faço-o sem prazer; mais me agrada o mar do que ser cavaleiro e daqui em diante quero livrar-me do lacrau e voltar a ser o que fui.
IV. E mais vos direi: o demónio já não pode induzir-me em engano, que me faça falar em armas, pois não me diz respeito (é inútil que eu fale delas, pois não voltarei a usá-las.); antes quero andar solitário e ir como mercador procurar alguma terra onde não me possa picar lacrau negro nem de várias cores.
[ Elsa Gonçalves, Maria Ana Ramos, A lírica galego-portuguesa, Editora Comunicação]
Deixem passar quem vai na sua estrada. Deixem passar Quem vai cheio de noite e de luar. Deixem passar e não lhe digam nada.
Deixem, que vai apenas Beber água de Sonho a qualquer fonte; Ou colher açucenas A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.
Vem da terra de todos, onde mora E onde volta depois de amanhecer. Deixem-no pois passar, agora
Que vai cheio de noite e solidão. Que vai ser Uma estrela no chão.
Miguel Torga
[Há pouco no TMG o grupo OUTORGA cantou este e outros poemas de Miguel Torga. Foi um bom espectáculo em que a música e a poesia estiveram de mãos dadas e em excelente harmonia. Também de referir que o compositor das músicas é guardense: João Mascarenhas. O poema "Relato" pode ser ouvido aqui.]
Em dias de ventania e chuva, como hoje, às vezes a vida prega-nos partidas saborosas e doces: devolve-nos muitos amigos que partiram e deixámos de ver. É certo que outros ficam na distância ou não têm possibilidade de aparecer, mas também eles continuam connosco, porque a amizade perdura. Na presença ou na distância, implicita ou explicitamente, a amizade é sempre algo gratificante que nos faz sentir felizes por termos nascido - obrigado mãe! - e nos leva a entoar hinos à vida.